São Paulo, sexta-feira, 4 de abril de 1997
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Diadema, mancha e vergonha

JOSÉ SARNEY

Como o mundo vê o Brasil? A resposta que nos chega não é a exaltação dos nossos mitos, da natureza extraordinária, nem do samba e futebol, nem de país do futuro, economia emergente, da democracia racial e convivência.
Está se estereotipando a imagem de que o Brasil é um país que tem uma sociedade injusta, com enfoques carregados sobre o tratamento dos índios, dos sem-terra, da violência urbana, dos meninos abandonados, das prostitutas meninas, da selvageria policial, da violação dos direitos humanos de uma terra onde existe uma efervescência social de contrastes assustadores e sem barreiras éticas.
O Brasil não merece esse julgamento. Mas estamos todos em estado de choque depois das cenas de selvageria em Diadema. Dir-se-á que esse episódio é um fato isolado e um acidente. Mas como justificá-lo depois de termos presenciado as tragédias dos meninos da Candelária, dos presos do Carandiru, dos massacres de Eldorado do Carajás, no Pará?
Não se sabe o quanto de mal esse crime hediondo fez ao Brasil. Na Europa, a TV pediu às famílias, antes de divulgar o episódio de Diadema, que retirassem as crianças da sala, tal a violência das cenas.
É inconcebível o que a televisão mostrou, aqueles homens indefesos apanhando e gritando, pedindo clemência e vida. Não tive olhos para continuar a ver essa barbaridade, nem sono para dormir, numa noite em que se pôde olhar a violência no seu aspecto mais primitivo e cruel.
É preciso dizer que esse crime é de fazer qualquer um de nós chorar de vergonha, suspender a respiração e indagar: isso é possível acontecer, no mundo atual, em nosso país, nas barbas de nossas cidades? Não é fácil explicar e não há explicações.
Punir? Ninguém acredita em punições. Tomar medidas preventivas para que esses fatos não aconteçam? Nada nos estimula a pensar que não se repetirão, depois de terem se repetido tantos episódios de matança e de banditismo.
Façamos nossos atos de contrição e culpa. A violência no Brasil aumenta a cada dia. Não sei até onde contribui para isso a certeza da impunidade e o cotidiano da lei da selva, de termos uma legislação pela qual é impossível prender; os criminosos estão protegidos contra a sanção da lei, e o homicida pode defender-se solto, coisas da Constituição de 88.
O Brasil assinou em Nova York sua adesão ao Tratado de São José contra a tortura e penas cruéis. Mas de que adiantam essas intenções se estamos impotentes para assegurar às pessoas o direito à vida, à sociedade, o direito de viver em paz e, ao país, como um todo, de não ter sua reputação manchada pelo sangue da brutalidade e da selvageria? Coitado do Brasil perante o mundo, por obras de facínoras.
Não podemos ficar insensíveis para a necessidade de preservação dos valores maiores da humanidade: os direitos humanos. Mata-se, tortura-se, degrada-se. Assim fazem os bandidos, e muitos policiais pagos pelo Estado e pelo povo para dar segurança à sociedade. Em vez do cumprimento do seu dever, assassinam, roubam, saqueiam. A culpa é jogada de uns para outros, numa cadeia de Pilatos, lavando as mãos.
Eu não perdi a capacidade de indignar-me. Estou indignado. Peço socorro para o Brasil.

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