São Paulo, sábado, 5 de abril de 1997
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Salve, Luzia!

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O Estado de São Paulo tem muito mais habitantes que o Distrito Federal (na verdade, várias dezenas de vezes mais). Tem muito mais juízes. Todavia, foi apenas na Semana Santa -aliás, muito apropriadamente escolhida pela história- que o Estado bandeirante se igualou ao Distrito Federal em um ponto que interessa ao Judiciário: agora os paulistas têm sua primeira e única desembargadora, Luzia Galvão Lopes da Silva. Brasília já a tem faz tempo, na pessoa da professora Fatima Nancy Andrighi, também com forte presença na Escola Nacional da Magistratura e respeitada jurista.
A chegada de Luzia ao Tribunal de Justiça de São Paulo somente foi possível por causa do quinto constitucional, porque as juízas que entraram na carreira da magistratura pelo concurso de ingresso ainda vão ter muito o que esperar até serem promovidas para a mais importante corte estadual. Cabe aqui uma explicação ao leitor não ligado ao direito. Luzia Galvão fez a carreira do Ministério Público. Acontece que um quinto dos lugares nos tribunais estaduais deve ser ocupado por pessoas oriundas da advocacia ou do Ministério Público. Assim foi que ela, depois de brilhante carreira em sua corporação de origem, ingressou na magistratura, de onde, após passar pelos tribunais de alçada, veio a ser nomeada para o de Justiça, onde tomou posse na última semana.
As mulheres esperaram mais de século por essa oportunidade, pois a Justiça de São Paulo sempre foi muito machista. Durante anos os concursos chegaram a aceitar a inscrição de candidatas, mas acontecia que elas não eram aprovadas. Isso passou. Serve de exemplo o último concurso de ingresso à magistratura (nº 167), cuja comissão examinadora foi presidida pelo desembargador Antonio Carlos Alves Braga, acolhendo elevado percentual de novas juízas, sem discriminação de qualquer espécie. Nessa matéria, os advogados e a OAB, em São Paulo, não podem atirar pedra no telhado da magistratura, porque o deles é de vidro. No quinto constitucional, em que cabe à advocacia encaminhar uma lista sêxtupla de nomes, a mulher é mais estranha do que Pilatos no credo.
Embora tardio -nos tribunais do Estado do Rio, por exemplo, a mulher judica há dezenas de anos-, o acesso da primeira magistrada à mais alta corte judiciária do Estado é auspicioso. Ajusta-se ao preceito constitucional contido no artigo 5º, que assegura a igualdade jurídica do homem e da mulher. Igualdade jurídica deve corresponder, entre outros efeitos, a equilíbrio nas oportunidades de acesso a todas as funções, especialmente no serviço público. O preceito aristotélico de que o direito deve assegurar a cada um o que é seu ajusta-se à proibição constitucional de distinção por causa do sexo, salvo, evidentemente, aquelas que são inerentes à essência do próprio sexo.
Hoje, o Superior Tribunal de Justiça, que encabeça os tribunais competentes para julgar questões de direito comum, e o Supremo Tribunal Federal, o guardião da Constituição, como definido no artigo 102, ainda resistem às mulheres. São os novos muros a serem enfrentados. Para o enfrentamento, ao menos no âmbito da província paulista, o nome de Luzia Galvão passa para a história, sendo, ao mesmo tempo, a natural antecipação do futuro. Salve, Luzia!

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