São Paulo, sábado, 5 de abril de 1997
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Lokua Kanza não é só percussão

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DA REPORTAGEM LOCAL

Absolutamente desconhecido no país, o zairense Lokua Kanza, 38, é, provavelmente, a maior incógnita do Heineken Concerts 97.
Ele é um dos convidados das noites em que Djavan será o mestre-de-cerimônia -dia 16, em São Paulo, e dia 18, em Curitiba.
Lokua vem pela primeira vez ao Brasil mostrar um pouco da música africana, pouquíssimo conhecida no país. "Ela é o futuro da música", afirma ele, em entrevista à Folha, por telefone, de Paris.
Ele cita como alguns expoentes dessa música, Ray Lema, Wasis Diop, Papa Wemba, Youssou N'Dour, Mano Dibango, Miriam Makeba, Geoffrey Oryema e Salif Keita.
A música de Lokua, sutil e refinada, tem pouco a ver com a imagem percussiva associada geralmente à música africana.
"As músicas tradicionais das aldeias não são sempre percussivas. Elas são melodiosas, belas, doces, espirituais, por vezes, mágicas. As pessoas não conhecem esse tipo de música. Por que o que o mundo importa é uma certa imagem exótica da África", afirma.
Plataforma
Desde 1984 ele mora na França, provavelmente o país europeu mais aberto à música africana. "Eles tiveram muitas colônias lá", diz ele, que acredita que o país serve de plataforma para os artistas africanos.
"Ser músico no Zaire não é fácil. Não há infra-estrutura. Não há bons estúdios, não há onde comprar instrumentos musicais, violões, por exemplo. Em compensação, quando se é músico lá no Zaire, não existe o problema que existe aqui. Vizinhos que vêm pedir para você parar de cantar", ri.
Na França, ele acredita que seu trabalho evoluiu. Principalmente por ter mais acesso a equipamentos e tecnologia.
Lingala e swahili
Lokua nasceu em Bukavu, leste do Zaire, área onde hoje, por causa dos conflitos étnicos na região, estão estacionados os refugiados ruandeses.
Lokua começou a se interessar por música aos 8 anos. Estudou no conservatório de Kinshasa, capital do Zaire, e frequentou uma escola de jazz na França. Dessa forma, ele uniu a tradição musical ocidental à música africana.
Na Europa, ele tocou com Ray Lema, Mano Dibango, Miriam Makeba. Arranjou e produziu Papa Wemba, fez coro para Youssou N'Dour.
Sua carreira solo começou em 92. Já lançou dois discos, "Lokua Kanza" e "Wapi Yo", que será lançado este mês no Brasil.
No disco, ele canta em duas línguas faladas no Zaire: lingala (se diz lingalá) e swahili (se pronuncia suarríli).
Também utilizada na África Central, Lingala é a principal língua nativa do Zaire.
O swahili é mais frequente no leste do continente. É falada na Zâmbia, no Quênia, na Tanzânia.
Lokua também usa o inglês e o francês em algumas letras. Mas assegura que a escolha não foi por razões comerciais.
"Se eu falasse apenas minhas línguas, e você falasse apenas o português, nós não conseguiríamos nos entender. A língua é um meio de comunicação. Não vou mudar minhas propostas e minha cultura no que quero dizer. A língua é uma ponte, não uma barreira", afirma.
Algumas de suas músicas são canções de protesto. A maioria, contudo, versa sobre o amor.
"Falo sobre o amor que estamos perdendo todos os dias por causa do poder e do dinheiro. Sem amor não podemos fazer nada", diz.
Sua maneira de abordar o tema tem uma certa tristeza e nostalgia, parecida com o blues ou o samba de morro.
"É verdade, mas há uma esperança no fim. É um grito para que o sol apareça um dia", afirma.
Ele também toca violão. De um jeito diferente. "Minha maneira de tocar a guitarra é uma mistura do modo tradicional africano com o clássico e um pouco de jazz. Mas eu tento tocar guitarra pensando um pouco no tam-tam, tocando de uma forma percussiva, um pouco como os brasileiros."
Em seu show, Lokua cantará músicas de seus dois álbuns. Ele também pretende cantar "Nem um Dia" com Djavan. "Em português", adianta.
(LAR)

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