São Paulo, sábado, 5 de abril de 1997
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"Pais" de Dolly relatam seus dias de glória

HARRY GRIFFIN; IAN WILMUT

HARRY GRIFFIN
IAN WILMUT
especial para a "New Scientist"
Tudo começa silenciosamente. O editor da "Nature" diz que o nosso artigo sobre a clonagem da ovelha número 6LL3, aliás, Dolly, será publicado no dia 27 de fevereiro, o que nos dá dez dias para finalizar os planos.
Nos últimos meses, pesquisadores do Instituto Roslin, perto de Edimburgo (Escócia), discutiram com a PPL Therapeutics e seus consultores, De Facto, em Basingstoke, qual seria a melhor maneira de lidar com o inevitável interesse da mídia.
A "Nature" destaca Dolly no seu release de divulgação daquela edição e determina um embargo para a imprensa até as 7h da noite anterior à publicação.
A primeira suspeita de que a história havia vazado vem na quarta-feira com pedidos para entrevistas de redes de televisão na Austrália e Canadá e uma mensagem congratulações da Califórnia.
Decidimos que I.W. (refere-se a Ian Wilmut) e Ron James, diretor-gerente da PPL, serão os principais porta-vozes.
No sábado à tarde recebemos a informação de que o "The Observer" tem a história em sua primeira edição. Decidimos começar a trabalhar às 9h do domingo.
O redator de ciência do jornal britânico "The Observer", Robin McKie, evita a linha sensacionalista, mas levanta o espectro da clonagem de humanos.
Nossa principal intenção agora é assegurar que os outros jornais tenham fatos acurados para escrever em suas edições de segunda-feira.
Dois do grupo do Roslin e quatro do De Facto lidam com as perguntas dos jornais diários e montam uma agenda para que as redes de TV, repórteres e fotógrafos visitem o Roslin e a PPL.
Enviamos fotos de Dolly através da transmissão ISDN para as maiores redes de notícias do mundo. James vai a Londres para dar a primeira das muitas entrevistas para rádios e TVs. Um grupo de repórteres acorda para a notícia na Austrália e Nova Zelândia e demos o dia por encerrado às 21h.
Ficção científica
Dolly é a principal história na maioria dos jornais na segunda-feira. Sugestões feitas pelos tablóides, de que Paul Gascoigne, astro do Glasgow Rangers, seja clonado já eram esperadas, mas é desapontador ver que alguns jornais de qualidade dão prioridade a fantasias de ficção científica.
O Roslin é sitiado por redes de TV britânicas e americanas, com antenas para transmissão via satélite emitindo entrevistas ao vivo para os noticiários matinais do outro lado do Atlântico.
Os telefones tocam incessantemente. Todos esperam falar diretamente com I.W. depois de outro dia de 12 horas de trabalho.
Na terça-feira de manhã uma coletiva no Instituto Roslin atrai uma multidão, a despeito da breve notícia. Com quatro equipes de filmagem e 20 fotógrafos hoje, Dolly deve ser a ovelha mais fotografada de todos os tempos.
O presidente Clinton pede à comissão de bioética que o informe a respeito das implicações de nossa pesquisa dentro de 90 dias. Mary Midgeley escreve um sério artigo no "The Guardian" sobre a fascinação da mídia com a clonagem.
A marcha frenética continua na quarta-feira com fotógrafos de "Time", "Newsweek" e "Scientific American" e um trio de repórteres de Moscou, da Alemanha e de Nova York voando para cá.
Mais equipes de TV chegam sem anunciar. Convites para palestras, livros e filmes se acumulam e até mesmo para que Dolly apareça num programa de talk-show de uma TV americana. Com tristeza, recebemos mesmo pedidos para ressuscitar parentes mortos e animais de estimação.
Começamos a quinta-feira tão calmamente quanto possível porque o Roslin sediava um simpósio sobre modificação genética de gado. Ironicamente, um dos objetivos era divulgar o instituto.
Nossa cópia da "Nature" chega, mas a publicação é algo como um anticlímax. O comentário de Colin Stewart traz uma útil lembrança de que a embriologia difere entre as espécies e que a clonagem de humanos pode não ser tão simples como especialistas imaginavam.
Sexta-feira e o ritmo das coisas é tão inflexível quanto antes. "The Economist" : "Poderíamos agora ressuscitar um morto?".I.W. é chamado a dar explicações ao seleto Comitê de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Comuns e ao Congresso dos Estados Unidos.
Agora somos mais seletivos sobre quais entrevistas aceitar: concordamos em concedê-las a Fay Weldon e Joan Bakewell, do "Heart of the Matter" (BBC2).
Dolly Parton diz estar "honrada" de termos dado o nome dela a nossa "prole" e que diz não vê isso como "publicidade negativa".
Com os níveis de adrenalina ainda altos, é difícil refletir objetivamente sobre a semana que passou. Nós, o Roslin, a PPL e De Facto respondemos a mais de 2.000 telefonemas, falamos com cem repórteres e exibimos Dolly e nosso laboratório a 16 equipes de filmagem e mais de 50 fotógrafos.
O que ganhamos com isso? Um saudável respeito pela tenacidade da mídia, satisfação de divulgar fatos científicos precisamente, e alívio que o noticiário do fim-de-semana está desmintindo tantos temores ridículos que emergiram durante a cobertura do caso.

Ian Wilmut é o chefe do grupo de pesquisadores que produziu Dolly. Harry Griffin foi o responsável pela coordenação das relações entre o Instituto Roslin e a mídia.

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