São Paulo, sábado, 5 de abril de 1997
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Ainda sobre a Vale

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Creio que a proposta governamental de privatização da Companhia Vale do Rio Doce precisa de maior aprofundamento.
Com efeito, há que distinguir o aspecto metodológico, que se refere aos processos de decisão, e outro, mais de conteúdo, que envolve as razões apresentadas a favor ou contra a privatização da CVRD.
1) Quanto ao método, cabem exigências éticas, em vista do bem comum:
a) a decisão, importante para a nação, requer tempo maior de discernimento a fim de evitar erros que possam derivar da precipitação. Há representantes de vários setores da sociedade -alguns notórios pelos serviços prestados ao país e todos sem vantagens pessoais- que não estão convencidos das razões apresentadas para a privatização da CVRD. Segue-se daí o dever de protrair a decisão até que haja um relativo consenso;
b) a natureza do regime democrático requer adequada participação dos segmentos da sociedade em questões de relevância, como a que se refere aos direitos de lavra das riquezas minerais do nosso solo concedidos, em grande parte, à CVRD;
c) a definição sobre a função e o "tamanho" do Estado brasileiro é tema complexo e que compete ao Congresso Nacional debater, com a devida participação da sociedade. Esse amplo estudo e discussão ainda não aconteceu e não há porque ceder, sem mais, aos preceitos discutíveis -e por muitos não aceitos- do neoliberalismo.
2) Em relação às razões que possam motivar a privatização ou não da CVRD, a questão é aberta e livre e pode haver pluralismo de opções, desde que sejam respeitadas as exigências éticas no processo de decisão: debate no Congresso, participação da sociedade e tempo necessário de discernimento.
Condição prévia é ainda que os dados sejam correta e transparentemente divulgados: informações sobre a produção e investimentos, suas jazidas e avaliação da CVRD.
Estabelecidos esses pontos, será possível proceder à ponderação final sobre as vantagens e desvantagens de sua venda. Creio, de minha parte, que merece especial consideração o critério do potencial estratégico que a CVRD representa para a soberania e o desenvolvimento nacional. Esse é o argumento que mais me motiva para que a Vale não seja privatizada.
3) Nestes dias fez-se referência ao interesse pelos benefícios sociais e culturais que a CVRD, desde 1942 -por estatuto-, oferece como ressarcimento pela lavra de minérios nos municípios onde opera. Trata-se de centenas de projetos aprovados, cada ano, pelo Conselho da CVRD e que constituem o "Programa Integração Vale e Comunidades".
Aliás, algo semelhante acontece por parte de entidades estatais e privadas -como Petrobrás, Fundação do Banco do Brasil, Samarco, Samitri e outras. Nenhuma interferência existe entre o benefício desses projetos sociais e a defesa da Vale como empresa estatal.
4) Neste debate em que se deseja, em primeiro lugar, o bem do Brasil, o importante, para a objetividade do discernimento, é conservar a isenção de ânimo e a estima recíproca entre os que possuem posições diferentes.
Peçamos a Deus que ilumine nossos governantes.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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