São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997
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Tesouro dos Estados Unidos já está globalizado

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

As locomotivas sempre foram usadas como uma imagem forte em economia. O recurso continua válido quando se trata da chamada globalização. A ordem global é assimétrica e as locomotivas são bastante visíveis.
Na última sexta-feira a "Securities Industry Association" (órgão da indústria de títulos dos EUA) divulgou os dados para o investimento estrangeiro nos Estados Unidos. Em 1996, chegaram ao valor sem precedentes de US$ 480 bilhões. No Brasil, a cifra também recorde, que gerou até certa euforia nos meios governamentais, foi de cerca de US$ 9 bilhões. Para ter idéia de proporções, na China são esperados até o ano 2000 investimentos estrangeiros de até US$ 270 bilhões, algo em torno de US$ 50 bilhões por ano.
No caso dos EUA, ocorreu uma combinação virtuosa de procura por papéis de renda fixa e por ações. Agora o estoque de investimento estrangeiro em ativos financeiros soma US$ 2,4 trilhões.
Tesouro global
Os dados divulgados ajudam a entender por que o governo dos EUA tornou-se o fiel da balança da globalização financeira. Os títulos do Tesouro norte-americano em mãos de estrangeiros chegaram no final do ano passado a US$ 1,1 trilhão. É quase 33% sobre o que se registrava no começo do ano. É o dobro do que os estrangeiros detinham há quatro anos.
Esse trilhão e pouco equivale ainda a 33,2% de todos os papéis do Tesouro dos EUA em mãos privadas. Isso num período em que as taxas de juros nos EUA ficaram estáveis ou caíram. Recuando um pouco mais no tempo, a participação dos estrangeiros no financiamento ao déficit público dos EUA era de "apenas" 26,2% em 1978.
Fala-se muito nas tensões comerciais dos EUA com japoneses e europeus. Pois bem, no final do ano passado os japoneses tinham US$ 277,9 bilhões em papéis do Tesouro norte-americano. Os ingleses encarteiravam US$ 190,1 bilhões. A China, em quinto lugar, "poupava" US$ 46,6 bilhões sob a forma de "treasuries".
Os investidores norte-americanos também procuraram ativos estrangeiros, comprando US$ 57,9 bilhões em ações, o segundo valor mais alto da história. O recorde continua com o ano de 1993, quando as compras de norte-americanos nas Bolsas do resto do mundo chegaram a US$ 62,7 bilhões.
Mas apenas 22% desses recursos, ou US$ 13 bilhões, foram direcionados para os mercados emergentes. A Ásia recebeu cerca de 60% (US$ 8,1 bilhões). A América Latina ficou com apenas US$ 3,2 bilhões, dos quais US$ 2,5 bilhões vieram para o Brasil.
Assim fica mais fácil entender por que as decisões sobre taxas de juros nos Estados Unidos afetam os mercados do mundo inteiro. Simplesmente a riqueza financeira mundial está bastante concentrada e os humores dos guardiões do caixa do governo dos EUA são decisivos.
Agora, os juros estão subindo e o dólar valoriza-se com relação ao marco e ao iene. Os investidores globais, ainda mais seduzidos pelos ativos dolarizados, procuram vender ienes e marcos.
Na semana passada, o secretário do Tesouro dos EUA, Robert Rubin, em visita a Tóquio, viu-se na curiosa situação de assegurar aos investidores que o governo dos EUA não vai usar o ajuste cambial para corrigir os desequilíbrios comerciais da locomotiva global.
Em outras palavras, em primeiro lugar está a necessidade de garantir a confiança dos investidores nos papéis do Tesouro. A correção do desequilíbrio comercial fica em segundo plano ou, no mínimo, depende de outros fatores.
Mas é justamente a confiança dos investidores que, fortalecendo o dólar, barateia importações e dificulta exportações. Chega-se desse modo a um dos paradoxos centrais da globalização: uma das mais desequilibradas economias do planeta emite a moeda mais forte do sistema internacional.

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