São Paulo, terça-feira, 8 de abril de 1997
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Bradesco confirma 'corrente da felicidade'

MILTON GAMEZ
DA REPORTAGEM LOCAL

O depoimento do presidente do Bradesco, Lázaro de Mello Brandão, e de seu vice, Ageo Silva, à CPI dos Precatórios, não trouxe novidades no que se refere à instituição.
Brandão e Silva corroboraram a tese do banco de que os leilões de títulos estaduais e municipais para o pagamento de precatórios (dívidas judiciais) tinham "vício na origem", conforme Silva disse à Folha em 18 de março passado.
Ambos explicaram ontem que, quando o Bradesco comprou os papéis dos precatórios, os preços eram de mercado, isto é, refletiam taxas de juros compatíveis ao risco do emissor (acima, portanto, dos juros dos títulos federais, considerados de risco zero). O banco, portanto, tinha um lucro razoável.
Eles confirmaram que pode ter existido uma "corrente da felicidade" na negociação desses títulos públicos.
Assim, algumas instituições compraram os títulos com altos deságios (quanto maior o deságio, maior a taxa de juros embutida) e montaram operações sucessivas de modo a apropriarem-se do lucro exorbitante dos negócios e, ainda assim, repassarem os papéis ao banco a preços de mercado.
Nessa premissa, o problema ocorreu na emissão primária dos papéis -vício na origem.

QUEM SÃO - Lázaro de Mello Brandão, 70, é um dos banqueiros mais respeitados e influentes do país. Sucessor do fundador do Bradesco, Amador Aguiar, Brandão comanda o maior banco da América Latina com estilo monárquico. Será o último presidente do Bradesco sem data definida para se aposentar. Brandão é ex-sogro do corretor Fausto Solano Pereira, que recebeu R$ 9,7 milhões da "laranja" IBF Factoring.
Ageo Silva, pastor evangélico com mais de 30 anos de carreira no Bradesco, é talvez o executivo mais importante do mercado interbancário, graças ao poder que dispõe para aplicar os bilhões de reais movimentados pelo banco. Na crise bancária, seu departamento era chamado de "redesconto do Ageo", em alusão à linha de socorro financeiro do BC. Seu filho, Júlio Mota, veterinário, foi sócio minoritário de Solano Lopes na Pecplan, empresa de agropecuária que pertencia ao Bradesco.

NEGOCIAÇÃO - A CPI questiona o fato de o Bradesco ter dado lucros superiores a R$ 50 milhões a instituições que faziam operações suspeitas.
O lucro era garantido porque o Bradesco, no final, comprava os títulos públicos a preços mais baixos que os obtidos anteriormente pelo governo emissor.
Os dirigentes do Bradesco não explicaram direito porque o banco decidiu comprar os títulos somente no "mercado secundário" (de corretoras e outras instituições), em vez de adquirí-los diretamente nos leilões primários (comprando do governo emissor).
O banco admite que ganhava mais adquirindo papéis dessa forma, pois as taxas de juro dos papéis eram mais altas que as que seriam obtidas pelo banco diretamente na emissão primária.
Com isso, o Bradesco levantou a seguinte dúvida: ou o banco nunca conseguia taxas melhores que as de seus concorrentes nos leilões primários, ou os leilões eram viciados, de modo a favorecer pequenas instituições.
A primeira hipótese denota incompetência. A segunda, mais provável, revela que o banco sabia ou desconfiava das falcatruas e se negava a participar delas, na ponta inicial. O banco diz que, se soubesse o que ocorria, não teria comprado os títulos.

A PREFERIDA - A surpresa da sessão de ontem foi a revelação de que um ex-funcionário do Bradesco, Edson Ferreira, trabalhava para a corretora Paper, que revendeu para o banco, com grandes lucros, papéis de precatórios. Inicialmente, Brandão disse que não conhecia os sócios da Paper. Mais tarde, deu nome aos bois.
Segundo a CPI, títulos foram comprados por um mesmo grupo de instituições e revendidos pela Paper ao Bradesco. Novamente, a tese do banco é a mesma: o que aconteceu com os papéis antes de chegarem à mesa de operações do banco é segredo de quem está vendendo o título, por sinal uma corretora autorizada pelo BC.
O Bradesco diz que, quando os títulos eram oferecidos, não era possível saber o que ocorrera com eles. As únicas informações disponíveis eram os dados referentes à data da emissão, prazo e juros.
Os papéis comprados pelo Bradesco tinham sido emitidos mediante autorização do Senado.

ENCRENCA - O Bradesco propôs à CPI que os leilões de títulos públicos estaduais e municipais sejam feitos de modo eletrônico, no Sisbacen, sistema eletrônico do BC. Para Brandão, a adoção do sistema acabaria com os vícios nos leilões, pois todo o mercado poderia participar. Ao dizer que "sairíamos de toda essa encrenca", ele reconheceu as deficiências dos leilões por envelopes fechados -habitualmente adotados pelas prefeituras e governos estaduais.

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