São Paulo, terça-feira, 8 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRECHOS DO DISCURSO

"Estamos vivendo num novo momento de integração a nível planetário. Pode chocar-nos, mas é preciso que nós nos recordemos daqueles que -aqui todos, certamente- que leram seus livros de história, sabem que um dos primeiros momentos de grande desenvolvimento do capitalismo comercial foi precisamente quando houve o surto de descobertas e o que teve como consequência, depois nos séculos que se sucederam. E no século 17 já era muito nítido que nós estávamos passando por um processo de integração a um nível que já não era mais ao nível nem local, nem mesmo um local um pouco ampliável, onde começaram a se consolidar as (...) nacionais, senão que havia todo um problema internacional.

Os que tiveram a ventura de ler Montesquieu -e eu tive a obrigação de traduzi-lo para o português e, portanto, fui obrigado a lê-lo com certa atenção- sabem que, basicamente, o que constituiu o fundamento do pensamento moderno de Montesquieu foi o reconhecimento da pluralidade, que chamava a natureza das leis. As leis são afins com certas situações estruturais, sociais e não se pode imaginar um sistema jurídico que seja um sistema jurídico independentemente das condições que o produzem.

O próprio desenvolvimento, portanto, do processo capitalista e do processo produtivo da capitalismo rompeu as amarras de uma visão localizada. Isso tem vários momentos. No século 19 viveu-se, de outra forma, um processo que tem alguma semelhança com o que se vive hoje, que também teve como base uma transformação do modo de produção, do modo de produzir -para não entrar em discussão de conceitos mais complexos- do modo como se fazia a produção. Todo mundo sabe o que aconteceu quando houve o desenvolvimento da manufatura e, depois, quando se passou da manufatura à grande indústria -título dos capítulos mais famosos do "Capital" de Marx, da manufatura à grande indústria. Que significou o quê? Significou precisamente que foi dispensa de mão-de-obra, migração, inchaço da cidade, basta ler Dickens sobre Londres.

Do ponto de vista de quem toma decisões, do ponto de vista do Poder Público, do ponto de vista dos setores da sociedade interessados neste processo, a pergunta não é saber se a globalização é boa ou é má, porque ela é um fato. Fato em si não é bom nem mau, é de que maneira nós reagimos a esse fato para tirar as vantagens maiores para que seja possível, ao mesmo tempo, haver progresso social e ampliar o bem-estar.

A questão, portanto, não é ideológica, de pensar que, por um lado estão os que aceitam o mercado e são neoliberais, por outro lado estão os que se recusam a isso e eu não sei como qualificá-los hoje. Não existe nem mais um adjetivo para qualificá-los. Essa questão é retórica, inútil, é perda de tempo. A questão é outra, é de que maneira nós aproveitamos os efeitos deste processo de forma mais construtiva, porque o processo está aí, ele existe, mas não opera num vazio de instituições sociais, jurídicas, políticas e não dispensa, portanto, uma interação com as decisões que se dão no plano nacional.

Nós tendemos a analisar em abstrato os efeitos da globalização sobre o emprego e a criar expectativas de que eles serão uniformizadores do mundo e não serão. E não serão porque existe a diversidade de situações sociais, situações jurídicas e situações políticas e de ideologias. Basta ver o que acontece nos Estados Unidos, o que acontece no Japão, o que acontece na Europa e o que acontece aqui. Os processos são diferentes, porque nós ficamos, muitas vezes, obscurecidos pela força do global, pela força do processo, digamos assim, produtivo, que gera a globalização e tendendo também a fazer um reducionismos economicista, imaginar que já que é assim, a consequência social será automaticamente a mesma, e não será. É esse espaço, essa margem, é que permite as políticas. E o fato de nós podermos prever certas consequências de um processo de globalização nos permite, também, amortecê-las ou até desviarmos o curso delas.

Eu creio que esse é o desafio aos países que estão em desenvolvimento, diante da globalização e da questão do emprego. Não adianta ficar de braços cruzados lamentando um processo real. O que se tem que fazer é ficar com os braços apontando para o caminho do futuro e não simplesmente chorando um passado que não voltará, ou indiferente a um presente que pode ser fatal, pode ser letal se nós não tomarmos as medidas necessárias. E para isso se requer compreensão e coragem.

E nós não podemos ficar indiferentes a essa realidade. Ora, se isso é assim, nós nos países em desenvolvimento temos que prestar atenção a esses processos e descobrir modos e meios pelos quais se diminui, pelo menos, este processo. Pelos quais se busca algum mecanismo que leve a que as pessoas tenham sentido para o processo global de desenvolvimento econômico. E não é fácil. Mas existe isso, existem os que são, crescentemente, inempregáveis. Não é que não tenham emprego, inempregáveis por razões, por um lado para falta de qualificação e, pelo outro lado, pelo desinteresse do setor produtivo mais avançado em empregá-las, são dispensáveis.

Logo, ao contrário do que muita gente pensa, de que nós estamos assistindo hoje o triunfo do que aqui se chama, com injustiça, de neoliberalismo, na verdade nós devíamos assistir não é ao triunfo disso, mas é o oposto. Nós vamos assistir é (...) a necessidade de uma ação política concertada, que reponha valores, que reponha (...) valores de solidariedade e que repense as formas de atuar dessa maneira. Isso requer um novo sindicalismo, isso requer um novo empresariado, isso requer um novo Poder Público, e nós não temos nada disso (...). O novo sindicalismo envelheceu.
E é indiscutível que na questão do emprego nós temos que, ao mesmo tempo, entender que haverá uma modificação da própria noção de emprego e da noção de ocupação. Criam-se formas novas que tradicionalmente não são consideradas de emprego, mas que dão ocupação e que serão crescentes. A mobilidade do capital é imensa, a da mão-de-obra é muito menor. Nós vamos ter que preparar a mão-de-obra (...) para certa mobilidade. Mobilidade geográfica e mobilidade mental, capacidade de adaptação. Isso vai implicar numa reforma na educação que já está em marcha, de tal maneira que a educação possa dar um amplo leque de oportunidades e que não se pense educação só como treinamento formal na escola, mas se pense educação como se pensa já hoje, como um processo interativo, contínuo, dentro da fábrica, fora da fábrica, nos escritórios, nas televisões, no lazer etc., para que as pessoas tenham também as suas potencialidades como seres humanos, mais abertas e possam se defrontar com uma série de situações inovadoras e se adaptar de uma maneira criativa a essas situações.

Como tudo na história, não há soluções de antemão e não há garantias de que possa dar certo. As nações correm seus riscos. Os segmentos nacionais de cada categoria também. Os políticos também. E se não fosse assim a história não existiria, ou pelo menos não teria a graça que tem hoje, nós teríamos fenômenos naturais. Os fenômenos naturais não correm riscos, eles ocorrem. Os fenômenos históricos, e nós pertencemos a uma porção da natureza que é histórica, nós criamos o futuro e, portanto, nós nos arriscamos a errar. Mas o maior risco é não arriscar, porque aí vamos errar mesmo".

Texto Anterior: Costa-riquenha explica em SP combate à pobreza em seu país
Próximo Texto: Motta ameniza crítica ao presidente da Câmara
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.