São Paulo, quarta-feira, 9 de abril de 1997
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Vítimas dizem que PMs tinham papelotes de cocaína

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

As vítimas dos espancamentos de PMs na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, têm hoje em comum o medo da polícia e não se identificam.
Apenas E.S., 18, disse que tem coragem de depor para ajudar no reconhecimento dos PMs.
L.J., 19, o rapaz de camisa listrada que mais apanha nas imagens flagradas pelo cinegrafista amador, teve o tímpano esquerdo perfurado em consequência dos golpes de "telefone" - tapas nos ouvidos- desferidos por um policial.
Ele disse que, após uma festa no bairro, resolveu ir com E.S. tomar um refrigerante num bar do bairro. Ele e o amigo foram arrastados pelos policiais para o muro onde outras pessoas já estavam sendo espancadas.
Segundo ele, os PMs mantiveram todo mundo detido da 1h às 4h da madrugada. "Pensei que ia morrer de tanta dor no ouvido. Eles me insultaram, chamaram de vagabundo, não pediram documento nem nada", afirmou.
Segundo L.J. e E.S., os policiais tinham um saco com mais de 50 papelotes de cocaína, que saíram jogando sobre as pessoas detidas. O objetivo seria, segundo eles, incriminar as vítimas, caso elas fossem levadas para a delegacia.
L.J. disse que os policiais tomaram-lhe R$ 20,00, além de um boné. Ele afirmou não ter coragem de prestar depoimento para ajudar a reconhecer os policiais, porque tem medo de ser perseguido. Sua família quer se mudar do bairro. Desde o dia da agressão policial, o rapaz, desempregado, quase não sai de casa.
Ele foi atendido primeiro no hospital Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, e de lá encaminhado para o Miguel Couto, na Gávea (zona sul). Seu ouvido sangrava por causa dos golpes.
Segundo ele, até a enfermeira que o atendeu disse que os policiais estavam certos, porque no bairro só moravam traficantes.
E.S. levou tapas na cabeça e nas costas e diz que teve R$ 10,00 tomados pelos PMs. Com vergonha, ele não contou nada à família. E.S. alistou-se para o serviço militar e está esperando ser convocado.
"Nunca confiei na polícia, e agora tenho mais raiva, mas sou capaz de reconhecer os seis que fizeram aquilo com a gente e com outras pessoas. Se eu for para o Exército, quero ser um militar que ajuda, e não que bate nos outros."
G., 40, morador do conjunto há 23 anos, estava no bar quando os policiais começaram a levar as pessoas para o muro. Segundo ele, um policial começou a bater num vendedor ambulante que usava uma muleta.
"Eu disse para ele não fazer aquilo, e ele me perguntou se eu era advogado de alguém. Apanhei também. Depois, eu e o rapaz da muleta fomos liberados", afirma.
O cozinheiro G.F.S., 37, disse que estava indo ao bar para comprar cigarros quando os policiais o abordaram, mandaram que ele sentasse na fila e o espancaram. "Eles me chamaram de bicha e me deram tapa na cara. Queriam humilhar todo mundo."

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