São Paulo, quarta-feira, 9 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O desafio do Bradesco

LUÍS NASSIF

Foram os governadores que venderam caros os títulos estaduais ou o Bradesco que comprou barato? Esta é uma dúvida que continua presente tanto na cabeça da opinião pública quanto da própria corporação Bradesco.
E demonstra o mal que trouxe ao país essa permissividade que se desenvolveu no mercado financeiro, a partir de um Banco Central omisso.
Não é apenas o maior banco privado brasileiro que está na berlinda.
Qualquer ranking sobre a relevância das empresas na formação do Brasil moderno colocará na ponta industrial a Petrobrás, e na ponta financeira, o Bradesco, ao lado do Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Nos anos 50, coube a ele romper o monopólio do crédito ao setor cafeeiro tradicional, indo atuar nas novas fronteiras agrícolas, apostando nos jovens setores que emergiam.
Em um país que nem sequer dispunha de estradas de rodagem decentes ou de sistemas de comunicação adequados, nos anos 60 o Bradesco fazia uma revolução no setor bancário ao integrar a contabilidade de praticamente todas suas agências -com rádio-amador, jeeps ou motos.
Ainda no final dos anos 60, o Bradesco foi o primeiro a apostar na informática.
Quando teve início o grande processo de fusões bancárias, que se seguiu à estabilização econômica, ele foi o banco mais preparado para absorver bancos em dificuldades, graças ao seu excedente de computação.
Após a morte de seu fundador, Amador Aguiar, o banco conseguiu experimentar novos saltos. Quando a abertura da economia deflagrou o novo processo de reestruturação econômica do país, mais uma vez o banco saiu à frente, tendo papel decisivo na reestruturação de diversos setores.
A partir da visão e da formação calvinista de seu fundador, de todos os bancos privados o Bradesco foi o que mais desenvolveu a vocação pública. E o que menos se envolveu -instituição e seus executivos- nos chamados rolos do mercado.
Todas as autoridades monetárias -de Delfim Netto no fim dos anos 60 a Pedro Malan na era do Real- recorreram ao Bradesco como linha auxiliar do Banco Central, para resolver um sem-número de problemas de liquidez da economia. O Bradesco não recusava pedidos do governo. E não se sabe de episódio no qual procurasse tirar vantagem dessa sua posição estratégica. E, no entanto, é vitimado por esse imbróglio.
Vítimas
O escândalo dos precatórios e as vítimas que vai deixando pelo caminho poderiam ter sido evitados com procedimentos simplíssimos.
Para evitar manipulação com títulos públicos de baixa liquidez, bastaria o Banco Central ter obrigado ofertas públicas eletrônicas.
Para evitar manipulações no mercado secundário, bastaria a Cetip (Central de Custódia e Financeira de Títulos) ter providenciado uma conexão eletrônica com o BC ou com a Receita.
Para acabar com as operações de esquenta-esfria na BM&F, bastaria obrigar os operadores autônomos (os chamados "scandals") a preencherem o nome da contraparte no boleto, imediatamente após o fechamento da operação.
Para reduzir as operações ilegais com dólares, bastaria ter fechado meia dúzia de "lavanderias" perfeitamente conhecidas de qualquer funcionário da Polícia Federal.
Porque não se teve vontade política, criou-se o terreno para o lucro fácil para os intermediários, e para a falsa minimização dos riscos para as instituições.
Opção
É importante que a CPI -com firmeza, mas com parcimônia- vá até o final de suas investigações. Se houver culpados, estejam em que instituições estiverem, que se punam pessoas, mas se preservem as instituições. E -mais importante que tudo isso- que se providenciem as reformas que permitam corrigir de vez essa situação, antes que o clamor público arrefeça.
É fundamental que os dirigentes do Bradesco -entre os quais os últimos remanescentes da geração pioneira- impeçam que esse episódio, de alguma maneira, possa afetar a cultura interna da casa. Eles têm o compromisso -perante o país e perante sua organização- de entregar intactos, aos sucessores, os valores públicos que transformaram o Bradesco em uma organização modelar.
E, independentemente da CPI, está na hora de autoridades monetárias e lideranças do setor financeiro decidirem, de uma vez por todas, se querem um mercado eficiente, na linha de frente da modernização brasileira, ou a oficialização da Lavanderia Brasil S/A.
Banco dos doleiros
Apesar dos aspectos cinematográficos da profissão, o banco dos doleiros não é M.T.V., como a coluna informou ontem. É M.T.B. De um mês para cá o banco passou a ter sua própria compensação. A conta da Split é a de número 03017135, na agência de Nova York.

E-mail: lnassif@uol.com.br

Texto Anterior: Tire dúvidas sobre IR simplificado
Próximo Texto: HSBC vai atrás dos 'sem-conta' do país
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.