São Paulo, quarta-feira, 9 de abril de 1997
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Tapa desmascara a hipocrisia familiar

Estréia hoje, em SP, "Do Fundo do Lago Escuro"

ERIKA SALLUM
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma típica família brasileira burguesa dos anos 50. Distinta e conservadora. Falsa e amoral.
Como pano de fundo, o caótico Brasil dos tempos finais de Getúlio Vargas.
Está formada a cena de "Do Fundo do Lago Escuro", peça escrita por Domingos de Oliveira que entra em cartaz a partir de hoje no teatro da Aliança Francesa.
Montada pelo grupo Tapa, o espetáculo, dirigido por Eduardo Tolentino, traz como protagonista a consagrada atriz Beatriz Segall, no papel da matriarca controladora, Dona Mocinha.
A família é formada por ela, os filhos -um deles, alcoólatra-, o genro pobre, neto, marido, empregados.
Coberto por uma aparente superioridade, esse núcleo de pessoas recende, na verdade, preconceitos, falsidade, egoísmos. "Todo mundo mente para todo mundo nessa casa. Enfim, uma típica família brasileira daquela época", afirma Segall.
Todos os maus momentos, desde a morte de um cachorro de estimação até um roubo, são escondidos, numa atitude hipócrita de quem prefere "deixar como está".
Política
Segundo o diretor, a montagem retrata de que forma cidadãos como esses -conservadores, mas representantes do "progresso" lacerdista- levaram o país ao regime militar.
"A idéia de progresso era fascista e opressora. O golpe aconteceu porque o povo permitiu", acrescenta Beatriz Segall.
Isso não significa que "Do Fundo do Lago Escuro" contenha cenas abertamente políticas. O discurso político é adjacente, leve, entremeado de referências como as falas de Carlos Lacerda que Dona Mocinha ouve, emocionada, pelo rádio.
"É o seu momento de prazer. Até na política, ela consegue ser frívola", define Segall.
"A peça também exibe uma luta pelo poder, para ver quem manda, se o genro pobre ou a sogra rica, se o marido ou a mulher etc.", comenta Eduardo Tolentino.
Essa hierarquização, de acordo com o diretor, reflete a mentalidade do país das décadas passadas.
Tanto diretor como atriz, no entanto, fazem uma ressalva: as críticas feitas no espetáculo são sutis, nada contundentes. Para eles, cada espectador deve captar a mensagem que lhe convém.
Parceria
Não é a primeira vez que Beatriz Segall trabalha com o Tapa. Há 11 anos, ela integrou o elenco de "O Tempo e os Conways", primeira peça montada pela companhia carioca em São Paulo.
O retorno da parceria começou a se moldar no ano passado, quando Segall acabou participando, por acidente, de uma peça da companhia.
"Foram as circunstâncias que nos uniram novamente -aliás, são as circunstâncias que fazem o ladrão", brinca Tolentino.
Entre os projetos futuros do Tapa, está a montagem de um texto de Tchekov.

Peça: Do Fundo do Lago Escuro
Autor: Domingos de Oliveira
Direção: Eduardo Tolentino
Com: Beatriz Segall, Chico Martins, Zécarlos Machado, Daniel Machado
Onde: teatro Aliança Francesa (r. General Jardim, 182, Vila Buarque, tel. 011/259-0086)
Quando: estréia hoje, 21h; de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 18h
Quanto: R$ 30 (preço único)

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