São Paulo, quarta-feira, 9 de abril de 1997
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Credibilidade perversa

ANTONIO DELFIM NETTO

Um dos aspectos mais paradoxais da credibilidade é que ela pode fabricar curiosas armadilhas. Um governo com credibilidade pode construir uma falsa teoria que se autoverifica quando a força dos fatos o obriga a abandoná-la.
O caso da taxa de câmbio é um exemplo. O governo com sua admirável retórica convenceu a sociedade brasileira que "se corrigir a sobrevalorização cambial, teremos um novo surto inflacionário". Essa proposição seria verdadeira se a economia se encontrasse prisioneira de uma completa indexação e de uma política monetária passiva, como se verificava antes do Plano Real.
Nesses casos, aliás, não existe "causa" ou "efeito": pode-se dizer que o câmbio "causa" inflação com a mesma propriedade que se diria que a inflação "causa" o câmbio.
Há, contudo, centenas de exemplos de valorizações bem sucedidas que alteraram substancialmente a taxa de retorno do setor exportador, transformando-o num instrumento que dinamizou a economia e aumentou o nível de emprego sem pressionar sensivelmente a inflação.
A tabela abaixo mostra isso no caso brasileiro, comparando a taxa média de inflação semestral antes e depois de algumas desvalorizações cambiais:
Taxa de inflação média (6 meses)
Mês Desvalorização Antes (+) Depois (+)
Mar/61 100% 2,73% 3,12%
Fev/67 22,8% 2,12% 1,77%
Jan/68 18,0% 1,46% 2,04%
Set/68 11,0% 1,86% 1,34%
Dez/79 30,0% 5,36% 5,83%
Fev/83 30,0% 5,74% 10,28%
A partir de 1979 as condições eram difíceis, não só porque o Brasil havia acumulado um enorme estoque de dívida para suprir de petróleo a economia e mantê-la funcionando como porque a redução da correção salarial de 12 para 6 meses produziu a duplicação da taxa de inflação.
Em 1983 a correção salarial era na prática quadrimestral, mas mesmo assim a taxa de câmbio real cresceu, a despeito da aceleração inflacionária. Há uma clara correspondência entre a taxa de câmbio real e as taxas de crescimento físico das exportações.
No período de maior acumulação de dívida externa (1974-1978) no governo Geisel, o câmbio foi, infelizmente, usado para controlar a inflação e a taxa de crescimento das exportações foi de 3,4% ao ano.
Entre 1979 e 1985 as exportações físicas cresceram à taxa de 12,1% ao ano, permitindo ao país superar o grave constrangimento externo. Em 1984 restava, é certo, uma inflação relativamente estável de 200% ao ano que todos sabiam (até o FMI) que só poderia ser atacada com algum programa parecido com a proposta original do Lara Resende de transformar a ORTN numa espécie de moeda indexada, que se concretizou em 1994 com a URV.
Na Nova República (1985-90), graças a três congelamentos de câmbio empobrecemos a pauta das exportações e o seu volume cresceu à pífia taxa de 3,8% ao ano. Corrigir o desequilíbrio externo com aumentos de produtividade talvez seja possível, mas levará longo tempo, impondo sofrimentos desnecessários à economia em termos de crescimento, de emprego e de acumulação de passivo externo.

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