São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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Uma boa briga: Performance Bond x Joel Rennó; Sem linha; Na moleira; Claudio Salm; Falta de respeito; Linha cruzada

ELIO GASPARI

Uma boa briga: Performance Bond x Joel Rennó
Negócio que mexe com muito dinheiro acaba se tornando difícil (e chato) de entender. Quando uma pessoa contrata um marceneiro para montar um armário embutido por R$ 2.000 e ao fim do trabalho verifica que desembolsou R$ 2.500, acha que o marceneiro lhe passou a perna. É um caso simples. Com as obras encomendadas pelo atual presidente da Petrobrás, Joel Rennó, as cifras envolvem milhões de dólares, a conta final acaba sendo mais salgada que a de um vulgar marceneiro, mas parece que nada de anormal acontece com o ervanário da viúva.
A Petrobrás contratou em 1994 a construção de uma plataforma submarina destinada à exploração do campo de Albacora, nas águas do norte fluminense. A empresa Ultratec (leia-se OAS) pediu US$ 82 milhões e 840 dias para fazer o serviço. Venceu a concorrência. A plataforma P-25 está em operação, mas custou US$ 122 milhões. Saiu por 49% a mais no custo e cinco meses a mais no prazo. Explicação: no decorrer da obra a Petrobrás fez mudanças no projeto, choveu muito, os salários subiram e o câmbio defasou-se.
Em julho de 1995 contratou-se outra plataforma, para o campo de Marlim. Apareceu um só interessado, a Tenenge (leia-se Odebrecht). Queria US$ 240 milhões. A Petrobrás disse que só pagava US$ 177 milhões e fecharam negócio. Um ano depois o empreiteiro pediu mais US$ 46 milhões. Era paga ou salta, porque não havia mais dinheiro no caixa da obra. Desentenderam-se e a Petrobrás passou a cuidar do dinheiro da empreitada por meio de uma conta vinculada. Soltaram-se US$ 24 milhões e estuda-se um novo pagamento, de US$ 32 milhões. Admitindo-se que ele venha a ser feito basta somar: 177 + 24 + 32 = US$ 233 milhões. Sete milhões de dólares a menos do que a Tenenge pedia desde a primeira hora, US$ 56 milhões a mais do que o doutor Rennó queria pagar.
Prejuízo elástico
Três contratos feitos com o estaleiro IVI (Indústrias Verolme-Ishibrás) foram na mesma linha. Um navio (Prudente de Moraes) devia sair por 115. Sairá por 135. Outro (Vidal de Negreiros) devia custar 163 e já custou 180. Uma plataforma (P-19) foi contratada por 165 e já consumiu 185. Assim como sucedeu com a Tenenge, a verba acabou e a obra não está terminada. Em janeiro o estaleiro informou que precisava de caixa. Muita caixa: US$ 160 milhões.
Um serviço contratado por US$ 443 milhões já custou US$ 500 milhões e pelo andar da carruagem pode vir a custar US$ 660 milhões. Juntando-se as encomendas feitas à Ultratec, Tenenge e IVI, obras avaliadas em US$ 702 milhões na assinatura da concorrência haverão de custar pouco mais de US$ 1 bilhão na entrega das chaves. (A diferença equivale à metade do que o contribuinte pagou de IPI de automóveis, em 1995.)
Caso de CPI? Devagar. A Petrobrás apresenta dois tipos de argumentos, ambos fortes, para explicar o que sucedeu.
Fala a Petrobrás
O primeiro é genérico. Seu negócio é receber as plataformas e os navios. Eles se destinam a aumentar a produção nacional de petróleo. As três unidades encomendadas à IVI aumentarão a produção nacional de petróleo em 25%. Resultarão numa economia de divisas de US$ 5 milhões por dia e permitirão a quebra da marca de 1 milhão de barris diários de produção da Petrobrás. (Alô, alô, Palácio do Planalto, isso dá uma publicidade neoesperta, não custa nada enfiar na verba uma pesquisa para medir a popularidade de FFHH.) No limite, é mais negócio para a Petrobrás pagar mais caro para colocar o equipamento em operação do que ficar discutindo na Justiça para satisfazer curiosos.
O segundo argumento é específico. Em todos os casos, quando se assinaram os contratos, as características técnicas das plataformas e dos navios não estavam minuciosamente especificadas. Ocorreram alterações previsíveis (e também imprevistas), elas custam dinheiro e os empreiteiros devem receber pelo serviço que fazem.
É nessa hora que entra o teste da modernidade. À diferença dos armários embutidos, negócios desse tamanho dispõem de mecanismos capazes de proteger os compradores. Coisa simples. Aparece uma companhia de seguro, lê a proposta do empreiteiro e, por uma taxa que oscila entre 2,5 e 3% do valor total do contrato, banca o risco de ele não completar o serviço. (Hipótese claramente configurada nos casos da IVI e da Tenenge.) Chama-se a isso seguro de desempenho (Bond, Performance Bond, para os anarcoglotas).
Num mercado que a cada par de anos é sacudido por empreitadas fraudulentas, anões do Orçamento e concorrências mutretadas, o seguro de desempenho é uma dádiva. Se o empreiteiro apre$enta um preço baixo para capturar a obra e depois pede aditivos ameaçando não terminá-la, em vez de se ir ao cofre, telefona-se para a seguradora e o caso está encerrado.
Todos os empreiteiros contratados pela Petrobrás compraram seguros de desempenho. Em nenhum caso a empresa julgou conveniente exercer o direito de receber da seguradora o que lhe está sendo cobrado além do contratado.
Falam os papéis
No caso da IVI há documentação capaz de informar o seguinte:
Duas das três unidades foram contratadas em outubro de 1995. Quatro meses depois a Petrobrás sabia que o estaleiro ia mal das finanças (se é que não sabia antes). O que fez? Alterou o fluxo de pagamentos e anabolizou o empreiteiro. Além disso, criou, à semelhança do que ocorre com a Tenenge, um sistema de contas vinculadas, assumindo o poder de veto na boca do caixa da IVI. Resolvido? Não. O estaleiro avisou que, mesmo assim, marchava para um prejuízo de US$ 60 milhões.
Em maio do ano passado o empreiteiro não tinha como pagar US$ 44 milhões de dólares devidos a fornecedores. A Petrobrás compareceu com um adiantamento. Resolvido? Não. O empreiteiro informava que a esta altura o seu prejuízo estava estimado em US$ 89 milhões. Em julho pensou-se em acionar o seguro, mas um diretor da Petrobrás saiu-se com uma proposta tão inédita quanto insana: vamos deixar para tratar disso quando o serviço estiver pronto.
Em novembro a IVI parou de emitir promissórias aos fornecedores. A Petrobrás assumiu o pepino, garantiu compras no valor de US$ 208 milhões e em dezembro soltou US$ 47 milhões por conta de modificações feitas nos projetos. Nessa altura o empreiteiro avisava que sua projeção de prejuízo estava em US$ 189 milhões.
Do outro lado do guichê, a Petrobrás reconhecia que eram falsas todas as premissas sobre as quais se baseou para tentar resolver o problema. (Para facilitar qualquer pesquisa na empresa: Documento Interno - DIP 000774/96, de 11 de dezembro de 1996.)
Desde então o doutor Rennó e seus colegas de diretoria estão com a seguinte banana: se não pagam, não recebem o equipamento; se pagam, consumam um grosso prejuízo. Pensaram em apadrinhar a transferência do controle do estaleiro para outra empresa. Ela olhou a papelada e fugiu. Chamaram mais uma e estão conversando. Enquanto isso, os trabalhadores do estaleiro eram 9.500 em 1995, são 1.300 hoje e serão 600 daqui a seis meses. Os desempregados foram obrigados a aceitar o parcelamento de seus direitos trabalhistas e há gente que não recebe desde novembro.
A hora do Bond
E onde está o seguro de desempenho, o Performance Bond? (Nos contratos da IVI ele custou algo como US$ 12 milhões.) A Petrobrás descobriu que só pode acionar a seguradora se declarar a inadimplência do estaleiro. Além disso, recebeu uma carta dos advogados do consórcio de seguradoras (Fidelity, USF&G e AIG) informando-a de que não basta passar no caixa. Não dizem que não pagam, mas deixam claro que têm sérias dúvidas a respeito da obrigação de terem que pagar. Nisso vai o instinto natural de sobrevivência de qualquer seguradora.
As seguradoras entendem que, ao criar contas vinculadas, sugerir cursos de ação diversos a cada semana, tirar dinheiro de um empreendimento para botá-lo no outro e presidir tentativas de transferência do controle do estaleiro, a Petrobrás deixou de ser um cliente, tornando-se "alter ego" e condômino da banana.
Dentro de poucas semanas a Petrobrás desentocará um dos navios. Em mais alguns meses receberá o resto da encomenda. Então chegará a hora de se responder para que serviu o seguro de desempenho. Para continuar realizando concorrências nos velhos padrões, mantendo um sistema de relações incestuosas com os estaleiros e passando a conta final à viúva? Antes, se fazia isso sem custos adicionais. Agora, a menos que haja uma bela batalha judicial com as seguradoras, resultará que o doutor Rennó e sua diretoria fazem as coisas à velha maneira e, só no caso dos contratos da IVI, por US$ 12 milhões a mais.
Uma batalha judicial com as seguradoras teria pelo menos uma vantagem. Ou a Petrobrás ganha, e nesse caso recebe de volta o que gastou a mais. Ou Performance Bond a derrota, mostrando num tribunal a alma de suas relações com os empreiteiros. Nos dois casos a viúva ganha.

Sem linha
Os telefones têm sido cruéis com o ministro das Comunicações, Sérgio Motta.
Primeiro o deputado Michel Temer deixou-o serjando sozinho e desligou o aparelho.
Depois o governador Mário Covas recusou-se a atender uma chamada sua.

Na moleira
Nesta quarta-feira fica pronto um relatório com o retrato da polícia cearense. É feio como a peste. Mais feio quando descreve a Polícia Civil do que quando trata da PM.
De 200 delegados, algo como 40 estão metidos em assaltos a bancos, tráfico de drogas e extorsões. Para se proteger, alguns deles estão ameaçando o governador Tasso Jereissati com uma cota adicional de cadáveres nas ruas de Fortaleza e de assaltos a bancos no Estado.
É muito provável que o próximo secretário da Segurança do Ceará seja um general.

Claudio Salm
(55 anos, professor de economia do trabalho no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.)
*
Quantos brasileiros são inempregáveis, segundo a expressão usada por FFHH?
Sei lá. Nos anos 50, quando Juscelino Kubitschek criou a indústria automobilística, os investidores diziam que, com a nossa mão-de-obra, seria impossível fazer carros. A Bosch chegou a propor a importação de trabalhadores. O governo disse que tinham que trabalhar com o que havia e a coisa funcionou. Hoje a situação não é a mesma, as empresas estão exigindo um nível de escolaridade de primeiro grau completo e há companhias que pedem até o segundo grau. Se fosse razoável projetar esse tipo de exigência, então os inempregáveis seriam algo como 45 ou 50 milhões de trabalhadores. A menos que se pretenda trocar de povo, a sociedade brasileira não pode funcionar durante uma geração com tantos inempregáveis. Essa teoria do desajuste de qualificação do trabalhador brasileiro não leva muito longe. Também não se baseia em dados reais. Se o problema é a desqualificação do trabalhador, então como se explica que no ano passado, pelos números do Ministério do Trabalho, só a faixa de assalariados por menos de três salários mínimos conseguiu ter um aumento líquido de postos de trabalho? Nessa faixa, onde por certo estão os inempregáveis, criaram-se 850 mil novas vagas. Na faixa dos super-empregáveis, onde estão as pessoas que ganham salários superiores a dez salários mínimos, houve um encolhimento de 137 mil postos de trabalho. O desemprego está afetando mais os super-empregáveis do que os supostos inempregáveis. O problema tem que estar em outro lugar.
Onde?
No baixo crescimento econômico. Enquanto o Brasil crescia a taxas de 6 a 10% ao ano, os inempregáveis foram absorvidos. Entre os anos 60 e 70 o Brasil se tornou competitivo na exportação de manufaturas. Agora não estamos acompanhando o dinamismo do comércio internacional. O problema não é o desajuste de qualificação do trabalhador, mas um desajuste no dinamismo da economia.
Qual é a melhor mão-de-obra brasileira, a do trabalhador, do empresário ou do governo?
Vou sair pela tangente. O trabalhador brasileiro é bom em tudo, menos em escolaridade. Todos os parâmetros internacionais mostram que ele está bem avaliado, até a hora em que se chega na escolaridade. Aí é um desastre. O empresário brasileiro, por sua vez, é truculento. O Brasil tem uma das maiores taxas de rotatividade de mão-de-obra do mundo. A maioria das empresas não se interessa por treinamento. Investem na qualificação dos empregados menos de 1% de seu faturamento. Na Europa e no Japão esse investimento é de 3%. Quanto ao governo, está fazendo alguma coisa na área de treinamento, mas é cedo para avaliar o resultado. Pelos números existentes, é preocupante que os resultados menos encorajadores estejam vindo do Rio e de São Paulo. Com inovações tecnológicas ou sem elas, o problema hoje é de escolaridade. O Brasil paga uma miséria aos professores da rede pública básica e gasta menos de 4% do PIB em educação. É pouco. Os países asiáticos gastam entre 5 e 7%.

Falta de respeito
O comandante da Polícia Militar de São Paulo, coronel Claudionor Lisboa, chamou de "animais" aos seus subordinados que espancaram cidadãos e mataram um trabalhador em Diadema.
Está redondamente enganado. Eles não são "animais". São policiais militares no pleno uso de seus direitos. São também delinquentes e um deles é assassino. É praticamente certo que venham a ser condenados pelos crimes que cometeram. Quando isso acontecer, serão expulsos da PM e, como cidadãos, serão trancafiados num presídio. Ainda assim, continuarão a ser cidadãos.
Quando o coronel Lisboa se dissocia de seus comandados chamando-os de "animais", coloca em circulação um raciocínio bestial e outorga-se o direito de demarcar os direitos dos outros. Se ele acha que pode chamar seus PMs de "animais", não fica difícil entender por que os seus PMs tratam os pobres da periferia como bichos.

Linha cruzada
FFHH está preocupado com a atividade dos telefones do ministro Luiz Felipe Lampreia. Das 200 chamadas que saíram dos telefones do banqueiro Ronaldo Ganon, mais da metade eram de gabinete para gabinete. Nada a ver com as irmãs com quem são casados.

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