São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Câmera escondida vira olho da Justiça

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O país cuja população se sente abandonada pelos administradores e cuja polícia representa uma ameaça à segurança elege a câmera o defensor dos direitos individuais. Lentes imperceptíveis cumprem o papel da Justiça, condenando, ao veicular flagrantes, o que os tribunais não condenam.
Ao mesmo tempo, elas se espalham pelos cantos, observam a população, seja num shopping center, no trânsito, num elevador, nas portarias e em locais de trabalho.
O cenário lembra "1984", ficção de George Orwell, onde olhos de "Big Brother" vigiavam as pessoas. Vivemos num estado de controle ótico digital? Devemos temer essa violação da privacidade?
"Conheci uma americana que registrava tudo com sua câmera. Era o diário dela. Alguns têm canetas, ela tinha um arquivo videográfico. É a forma atual de escrever, a nova oralidade", diz Arlindo Machado, professor da USP.
"A câmera é uma nova via de registro da memória, de anotações individuais. Nós vamos aprender a conviver com ela. Existe o aspecto da vigilância, mas faz parte de um medo antigo. Talvez sejamos cheios de culpa", completa.
"Há a sensação de que sempre tem alguém por perto com uma câmera. São mil olhinhos caoticamente nos olhando. Agora tudo vai ter olhos. Mas não é um poder central que manipula. O poder da imagem foi democratizado", diz o videomaker André Martirani.
"Dá tranquilidade pensar que existem câmeras olhando as irregularidades. O risco é que, com os equipamentos de hoje, as imagens podem ser trabalhadas", diz.
Para Stela Senra, ensaísta, autora de "O Último Jornaleiro" (Estação Liberdade), o vídeo já vem sendo usado há anos como instrumento de denúncia, mas não deve ser enaltecido como arma da população contra injustiças.
"No caso de Diadema, houve uma combinação perversa de vídeo caseiro com as emissoras. A Globo se aproveitou, deixou de falar disso antes para aumentar a audiência no dia de exibir a fita."
Senra lembra que a TV tem responsabilidade em transformar a polícia em herói, citando o "Aqui Agora", do SBT. Para ela, as câmeras que vigiam trabalham para a mesma pessoa, "o grande capital, os governantes", e um vídeo caseiro, para repercutir, tem de passar pelos "canais oficiais". "Somos objeto de olhar, de um olho que não controlamos nem sabemos onde está, que está em todos os lados e é invisível. Devemos temer."

Texto Anterior: Envolvidos em massacre estão na ativa
Próximo Texto: Devíamos usar um cartaz
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.