São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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Comércio livre nas Américas

ANTONIO OLIVEIRA SANTOS

Quando os chefes de Estado de 34 países do continente americano reuniram-se em Miami, em 1994, o Acordo da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) foi sancionado sem que a classe empresarial brasileira participasse de sua elaboração, até porque se tratava, então, de iniciativa em nível exclusivo de governos.
Naquele momento, a criação de uma área de livre comércio parecia aos olhos do empresariado um objetivo ainda muito distante de ser alcançado, dadas as vicissitudes de tentativas anteriores em nível latino-americano e as dificuldades para pôr em marcha o Nafta.
Aos olhos dos observadores políticos, pareceria mais um gesto político do presidente Clinton, ao retomar uma bandeira de seu antecessor, para demonstrar que também os democratas no poder se interessavam pelo tema da integração.
Nesse sentido, causa espécie que em discurso de posse para o exercício de seu segundo mandato o presidente dos EUA tenha feito referências ao comércio com os países da franja asiática e passado em branco no que concerne à América Latina.
A incumbência dada aos ministros de comércio para definir um cronograma que tornasse factível uma agenda para o ano 2005 deu lugar à reunião de Denver, quando então foi decidido que haveria encontros em paralelo do empresariado do hemisfério, a fim de que, desde logo, a iniciativa contasse com a adesão daqueles que, em definitivo, seriam os agentes da liberalização do comércio.
A participação do empresariado tornou-se ainda mais visível na reunião de Cartagena, ficando, daí em diante, estabelecido que tal participação antecederia a reunião anual dos ministros.
Não obstante essa decisão, a posição do empresariado nacional foi marcada por uma certa indiferença, motivada, de um lado, pela velocidade com que vinha sendo levada a cabo nossa própria abertura comercial, num processo não negociado, e, de outro, pelos avanços no Mercosul, sobretudo pela expansão das relações bilaterais com a Argentina, que recomendavam consolidar o progresso já alcançado para atrair novos parceiros.
O fato de a terceira reunião ter sido marcada para Belo Horizonte, trazendo o tema para debate em nosso país, certamente contribuiu para um despertar de consciência sobre o calendário para 2005.
Observa-se, agora, a mobilização da classe empresarial por meio das confederações e federações, cujas contribuições para os dez tópicos da agenda de Belo Horizonte estão sendo canalizados para a CNI, a fim de marcar uma posição tanto quanto possível calcada no consenso.
As propostas para a instauração da Alca colocadas diante da reunião de ministros e, em paralelo, apresentadas ao Fórum Empresarial, têm como divisor de águas o ano 2005.
Os EUA pretenderiam concluir as negociações até essa data, enquanto o Brasil e alguns outros países prefeririam consolidar acordos infra-regionais antes de iniciar as negociações.
Não obstante esses argumentos, que deverão nortear a posição brasileira no Fórum Empresarial, esta deveria ser reiterada ao ter em conta que:
a) o Brasil levou a cabo uma rápida abertura de sua economia, reduzindo dramaticamente a tarifa média e desmantelando barreiras não-tarifárias;
b) no ponto de partida do programa brasileiro de estabilização monetária, a sobrevalorização do real induziu um surto de importações antes desconhecido;
c) a experiência mexicana mostrou que a utilização do câmbio valorizado para alcançar uma maior competitividade industrial terminou em crise do balanço de pagamentos, antes que o período de reestruturação estivesse concluído;
d) uma decomposição das exportações brasileiras mostra que, na pauta, o peso maior é de produtos de menor dinamismo no comércio mundial, o reverso acontecendo no tocante às importações;
e) as divergências comerciais entre Brasil e EUA se centram ou nos produtos em que um país tem clara vantagem competitiva sobre o outro ou em bens que incorporam inovações radicais, ligadas à informática e ao setor de comunicações.
Essas observações têm o propósito de alertar o empresariado brasileiro do comércio para a importância das decisões que poderão ser adotadas na reunião de Belo Horizonte, em maio próximo, com profundas repercussões sobre a economia nacional.
Daí a recomendação de uma posição de cautela quanto ao ritmo de instauração da Alca, fundada na relação custo/benefício.
Não há dúvida de que, a longo prazo, os benefícios de uma área de livre comércio serão inquestionáveis, até porque os custos já terão sido absorvidos. A médio prazo, entretanto, há custos de reestruturação industrial a incorrer e um tempo de maturação a percorrer.
Assim, seria recomendável que a posição empresarial brasileira reiterasse a posição oficial que adota o enfoque dos "building blocks".
Primeiro consolidar as iniciativas da integração regional para, só depois, com as adaptações necessárias, incorporá-las ao marco mais abrangente da Área de Livre Comércio das Américas.

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