São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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Os "Rambos" do jornalismo

LUÍS NASSIF

As críticas que venho fazendo à cobertura da CPI dos Precatórios provocaram ressentimentos em colegas que cobrem o caso em Brasília.
Passaram a espalhar pela CPI que o senador Romeu Tuma tinha lhes prometido documentos provando minhas ligações com a empresa de assessoria de imprensa envolvida no episódio.
Seu chefe é jornalista sério e experiente. Foi avisado do que estavam aprontando. Negou qualquer orientação nesse sentido, mas não tomou nenhuma providência.
Conto o caso não como represália ao que não passaria de mera quizila profissional, mas para chamar -mais uma vez- a atenção sobre as deformações profissionais que têm afetado a imagem e a qualidade da cobertura jornalística.
Assim como os PMs de Diadema, os jornalistas estavam armados. Saí incólume dessa experiência por circunstâncias que nada têm a ver com o fato de eu não dever nada, mas por ser jornalista, conhecido de suas chefias e dispor de armas também (o espaço de minha coluna, por meio do qual poderia desarmar suas manipulações).
Caso contrário, teria sido fuzilado sem contemplação -como tem ocorrido rotineiramente nas coberturas diárias da imprensa, com pessoas sem salvo-conduto. Bastaria uma simples nota, enviada por um repórter sem expressão, que recebesse o título "Tuma investiga Nassif".
A suspeita estaria lançada. Nos dias seguintes, não se encontraria nenhuma prova das supostas ligações, mas pouco importaria. Constatar que a pessoa é inocente não é matéria jornalística.
Sempre que meu nome aparecesse em algumas matérias, haveria a menção de que "está sendo investigado pela CPI dos Precatórios".
E não se trata apenas de um fenômeno de Brasília.
Esse "estilo" de fazer jornalismo está amplamente disseminado na categoria.
E mostra que literalmente não há diferenças entre as deformações profissionais da categoria e da PM de Diadema.
Uns matam pessoas, outros matam reputações. E ambos têm utilizado suas armas corriqueiramente, fuzilando pessoas ou reputações com a mesma notável displicência com que o soldado "Rambo" atirou no auxiliar de escritório, sob os olhares complacentes das chefias.
É evidente que esse ambiente se potencializa em repórteres com caráter fraco. Mas o problema são os valores que passaram a nortear a disputa jornalística, a partir da campanha do impeachment, e que permitiram esse espaço para os "Rambos".
Uma análise isenta da campanha identificará duas ou três matérias básicas, fundamentais, que determinaram a queda de Collor. E uma enxurrada de manipulações ou mentiras, sem pé nem cabeça.
Essas falsas matérias ajudaram a aumentar a tiragem dos jornais. Como esse estilo "deu certo", depois disso não é proibido errar, manipular ou mentir na cobertura jornalística. É apenas proibido voltar para a redação sem seu escândalo diário.
Pressionados pelas chefias, os soldados têm que voltar no fim do dia com sua matéria de impacto. Em geral não há planejamento de cobertura, nem saem com uma orientação adequada, nem se exige que se aprofundem em tema algum.
O "prêmio" pela cobertura é o destaque que a matéria possa ter na edição. Nas redações, a tecnologia transformou os editores em artistas gráficos. Sobra-lhes pouco tempo para o planejamento da edição.
Na hora do fechamento, premidos pela necessidade da manchete de impacto, acabam sendo privilegiadas as matérias falsamente escandalosas -mesmo porque, às 8 horas da noite, não há mais como aprimorá-las. O jornalista que agiu com critério e qualidade é desestimulado e premia-se o manipulador.
Em geral, a opinião pública não aceita mais esse tipo de jornalismo. Deixou de ser "bom negócio". Nos próximos meses, teremos que nos voltar para nossas próprias mazelas e abrir uma discussão franca e leal sobre os rumos do jornalismo. Até mesmo para ter moral para atacar as mazelas alheias.

Email: lnassif@uol.com.br

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