São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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EDUCAÇÃO

YVES DE LA TAILLE
ESPECIAL PARA A FOLHA

O problema central da educação no Brasil é, e será ainda por vários anos, o de sua qualidade. Os temas aqui eleitos somente fazem sentido se tivermos sempre em mente esta condição primeira.

. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
Um tema logo vai tornar-se alvo de debates na educação brasileira: currículo. O Ministério da Educação (MEC) deve lançar, ainda neste ano, uma nova proposta para o ensino fundamental, chamada de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).
Como seu nome indica, não se trata de um currículo mínimo obrigatório, mas sim de parâmetros, portanto, de uma proposta cujo objetivo é nortear o trabalho dos educadores nos próximos anos. Sua elaboração, realizada por um grupo de educadores e submetida a dezenas de pareceres em todo Brasil, inspirou-se em experiências pedagógicas desenvolvidas em várias regiões do país.
Os PCNs serão apresentados sob a forma de textos que, além de contemplar os conteúdos a serem ensinados nos diversos níveis do ensino fundamental, também trazem um histórico do trabalho pedagógico realizado no Brasil em cada área do conhecimento, orientações didáticas e critérios de avaliação.
As áreas de conhecimento são: língua portuguesa, matemática, ciências, conhecimentos históricos e geográficos, artes e educação física. Além destas áreas, os PCNs propõem um conjunto de temas agrupados sob o nome de Convívio Social e Ética (são: ética, meio ambiente, orientação sexual, saúde e pluralidade cultural). Estes temas de cunho social deverão ser trabalhados de forma articulada com as áreas: por exemplo, trabalhar as questões éticas presentes em conteúdos de ciência, de história etc. Se a proposta é boa ou não, caberá aos educadores julgarem e à prática mostrar.

. Formação para o exercício da cidadania
Os PCNs vêm referendar uma tendência cada vez mais presente na educação brasileira: trabalhar com os alunos temas sociais, como meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural etc. A expressão "formação para o exercício da cidadania" é a que melhor traduz a preocupação.
Num mundo de relações sociais cada vez mais mediadas pela tecnologia, motivadas por interesses econômicos e regidas por uma competitividade cruel, o resgate de valores como o de justiça e solidariedade não deve se limitar ao binômio trabalho-consumo. Não se deve, portanto, conceber a educação apenas como o ensino de conteúdos que preparam para o mundo do trabalho. A educação também deve ser pensada como um trabalho de preparação do aluno para a vida como um todo, com a diversidade cultural que compõe a sociedade brasileira, com o planeta Terra e suas atuais feridas ecológicas, com a sexualidade, hoje tão incentivada pela mídia, notadamente a televisão.
Em resumo, a tendência atual é pensar a escola como um lugar no qual se preparam meninos e meninas para assumir sua parcela de "responsabilidade pelo mundo", para conhecer seus direitos, enfim, para poder participar da construção de uma sociedade melhor. Fazê-lo cada vez mais, e encontrar novas formas de trazer estas preocupações sociais para dentro das salas de aula é um desafio para os próximos anos.

. Formação para o novo mundo do trabalho
Se a preocupação com uma formação humanista dos alunos está, para muitos, na ordem do dia, tal fato não deve nos fazer esquecer que a preparação para o mundo do trabalho não é uma questão menor.
Ora, este mundo tem mudado a olhos vistos nas últimas décadas. Por um lado, tem-se falado que a "riqueza" nacional depende cada vez mais de "cérebros", ou seja, de pessoas com alta formação acadêmica, capazes de dominar os complexos conhecimentos científicos e tecnológicos atuais. Não há dúvidas de que a necessidade desta "riqueza" é uma realidade atual. Razão a mais para que a educação brasileira dê, urgentemente, um salto de qualidade, tanto a pública como a privada.
Por outro lado, tem-se também afirmado que está acabada a era dos "especialistas", ou seja, daquelas pessoas cujo saber se limita a um domínio específico. Hoje, notadamente graças à informatização, pede-se aos que trabalham que tenham capacidade de articular vários níveis de saber, que sejam capazes de se comunicar eficientemente com profissionais de várias áreas.
Daí a necessidade de reformulação da pedagogia. A escola tradicional sempre soube muito bem ensinar ao aluno como separar vários domínios do conhecimento (geografia não é história etc.), mas sempre se esqueceu de ensinar a relacionar distintos campos, as diversas disciplinas sendo apresentadas de forma desarticulada. É bom que ela (a escola) aprenda a fazê-lo: trata-se não somente de uma exigência das novas formas do trabalho, como necessidade pessoal de cada aluno para compreender e se situar de forma crítica em um mundo cada vez mais complexo e globalizado.

. Autoridade e limite
A queixa, hoje, é generalizada: os alunos são indisciplinados, os pais não impõem limites, os professores não têm mais autoridade. E um certo saudosismo autoritário tende a despertar. O tema é muito complexo e delicado. Mas é fato que está na ordem do dia e não está prestes a desaparecer. O tema é complexo porque envolve no mínimo duas dimensões: a política (as relações democráticas penetrando em várias instituições, notadamente a família e a escola) e a ética (a falta de limites, que traduz uma crise de valores, leva à anomia). E é delicado, porque um mau tratamento da questão pode nos levar a retrocessos, como a volta da legitimação do despotismo dos pais em relação aos filhos e dos professores em relação aos alunos.
O desafio dos próximos anos não está em reafirmar relações tradicionais de autoridade nem em multiplicar o número de limites a impor à geração mais nova, mas, sim, em reavivar o debate ético, em torno do respeito mútuo, e o debate político, em torno da organização das instituições. Um professor pode conseguir exercer autoridade sobre seus alunos sem ter que lhes dizer: "Os senhores sabem com quem estão falando?". Precisa fazer com que os alunos compreendam que, no seu ofício, o professor ocupa o lugar da lei, e que esta, longe de ser sempre imposição arbitrária, pode resultar de uma organização democrática (da sociedade como um todo).

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