São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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GEOGRAFIA

MILTON SANTOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nesta passagem de século, as realidades geográficas também se renovam, contribuindo paralelamente para a emergência de novos conceitos. Vamos tratar aqui, todavia, apenas de três noções: o meio técnico-científico-informacional, as redes e a cidade global.

. Meio técnico-científico-informacional
Uma palavra relativamente abandonada do vocabulário da geografia volta agora a ter curso. Referimo-nos ao vocábulo "meio". Com os progressos no conhecimento das galáxias, a palavra "espaço" passou a ser utilizada com maior ênfase para o espaço sideral interplanetário. Também nesta fase da pós-modernidade, a mesma palavra "espaço" ganhou um uso crescentemente metafórico em diversas disciplinas.
O meio resulta de uma adaptação sucessiva da face da Terra às necessidades dos homens. Nos primórdios da história registravam-se alterações isoladas, ao sabor das civilizações emergentes, até que o processo de internacionalização cria em diversos lugares feições semelhantes. Agora, conhecemos uma tendência à generalização à escala do mundo dos mesmos objetos geográficos e das mesmas paisagens.
A globalização leva à afirmação de um novo meio geográfico cuja produção é deliberada e que é tanto mais produtivo quanto for maior o seu conteúdo em ciência, tecnologia e informação. Esse meio técnico-científico-informacional dá-se em muitos lugares de forma extensa e contínua (Europa, Estados Unidos, Japão, parte da América Latina), enquanto em outros (África, Ásia, parte da América Latina) apenas pode se manifestar como manchas ou pontos. Cria-se, desse modo, uma oposição entre espaços adaptados às exigências das ações econômicas, políticas e culturais características da globalização e outras áreas não dotadas dessas virtualidades, formando o que, imaginativamente, podemos chamar de espaços luminosos e espaços opacos.
No caso do Brasil, o velho contraste entre o país costeiro e o país interior e a mais recente oposição entre centro e periferia cedem lugar a uma nova oposição entre, de um lado, esse meio-técnico-científico-informacional, espaço do artifício, formado, sobretudo, pelo Sul e pelo Sudeste e, de outro lado, o resto do território nacional.

. As redes
Até recentemente, a superfície da Terra era utilizada segundo divisões criadas pela natureza ou pela história, chamadas regiões, e que, de um modo geral, constituíam a base da vida econômica, cultural e, não raro, política.
Hoje, graças ao processo das técnicas e das comunicações, a esse território das regiões superpõe-se um território das redes. Mas não se trata de um espaço virtual, como alguns pretendem. As redes são realidades concretas, formadas de pontos interligados que, praticamente, se espalham por todo o planeta, ainda que com densidade desigual, segundo os continentes e países.
Essas redes são a base da modernidade atual e a condição de realização da economia e da sociedade global. Elas constituem o veículo mediante o qual fluem as informações, que são, hoje, o motor principal dos dinamismos hegemônicos.
As redes são a condição da globalização e a quintessência do meio técnico-científico-informacional. Sua qualidade e quantidade distinguem as regiões e lugares, assegurando aos melhor dotados uma posição relevante e deixando aos demais uma condição subordinada. São os nós dessas redes que presidem e vigiam as atividades mais características deste nosso mundo globalizado.

. A cidade global
O processo atual de modernização leva a que todos os lugares se globalizem, graças à difusão generalizada das técnicas e da informação. Criam-se, assim, lugares globais simples e lugares globais complexos. Estes são, geralmente, as metrópoles, em que um grande número de variáveis típicas de nossa época se combina.
Mas as metrópoles se caracterizam não apenas por esse lado moderno da sua realidade atual, mas também pelo fato de que guardam numerosos aspectos herdados de épocas anteriores, em virtude da resistência da paisagem metropolitana às mudanças gerais. É um equívoco considerar as metrópoles como se fossem inteiramente modernizadas e globalizadas. Aliás, o seu cosmopolitismo apenas é garantido pelo fato de que esses lugares complexos contêm elementos com diversas origens e idades que lhes asseguram o enriquecimento da variedade e da multiplicidade, o que inclui a possibilidade de abrigar os mais diversos tipos de capital, trabalho e cultura.
Uma classificação rigorosa levará a incluir entre as metrópoles globais apenas algumas poucas: Nova York, Los Angeles, Tóquio, Londres, Paris..., capazes de exercer um papel de comando efetivo e de regulação sobre o que se faz nas outras cidades e no resto do mundo. Pode-se incluir também neste rol, ainda que num segundo nível, localidades como São Paulo, Cidade do México, Johannesburgo, cujo papel reitor apenas se impõe a áreas menores e mais delimitadas do planeta.
Desse modo, pode-se considerar que as cidades globais são aquelas que dispõem dos instrumentos de comando da economia e sociedade em escala mundial, seja na condição de pólo, seja na condição de relé da influência das grandes metrópoles globais. Mas o exercício da ação hegemônica sobre a face da Terra não é um dado exclusivo das metrópoles de primeira ordem: sem as outras cidades a economia global não se realizaria.

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