São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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POLÍTICA

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Esta é uma época de transição que apresenta problemas muito particulares, que simplesmente se tornarão irrelevantes, acabada a transição. Prever quais serão amanhã os conceitos políticos mais importantes é, portanto, uma empresa de alto risco. Aliás, uma coisa é estimar quais serão os novos conceitos, outra coisa é saber que nome terão ou por qual lado serão considerados. O consolo é que dificilmente sobreviverei à cobrança dos poucos leitores desenganados com minhas previsões.
O vocabulário que se segue assume esse risco e inspira-se amplamente no "Vocabulário de Sistemas e Regimes Políticos", feito em colaboração com Elizabeth Balbachevsky ("Parlamentarismo, Presidencialismo: Como Votarei?", José Olympio Editora, 1993).

. Estabilidade
É uma característica do processo político e não do governo ou das instituições. Um processo político estável é aquele em que o resultado das ações políticas dos principais atores é razoavelmente previsível. Um processo instável, ao contrário, é aquele em que uma ação -tal como eleger o candidato de um partido radical ou convocar uma manifestação pública- pode desencadear reações imprevisíveis.

. Estado
É a autoridade suprema à qual uma população deve obediência em um determinado território. O Estado é uma criação recente: nas sociedades tradicionais, a autoridade política era inerente a outras funções: familiares, religiosas, militares. Embora todas essas características encontrem-se hoje sujeitas a limitações, estão longe de uma falência total do Estado. Boa parte do século 21 continuará discutindo a morte do Estado, isto é, em que consiste o essencial da sua natureza, por oposição ao apenas acessório.

. Governabilidade
É a capacidade de um sistema político de fazer com que suas principais instâncias atinjam suas finalidades institucionais. A governabilidade de um sistema político deve ser julgada pela capacidade do Executivo em tomar decisões de políticas públicas e implementá-las; do Legislativo, em adotar as leis capazes de equacionar os principais conflitos de interesses presentes na sociedade; e do Judiciário, em administrar a Justiça.
Não se deve confundir ingovernabilidade com turbulência social ou política ou com a existência de conflitos sociais latentes. A falta de governabilidade, entretanto, é geradora de conflitos e turbulência, pois, além de não resolver os problemas existentes, cria outros que também é incapaz de resolver.

. Legitimidade
Comporta três dimensões: no sentido tradicional, depende da origem de uma instituição. Nas democracias modernas, ganha um sentido processual: ela está no respeito às regras preestabelecidas e a determinados princípios de igualdade, equidade e representatividade.
A análise política contemporânea acrescentou uma nova dimensão de legitimidade: o desempenho, isto é, a capacidade de responder às demandas. Um sistema político que se mostre incapaz de tomar decisões, implementar políticas e dar sequência às questões e problemas que integram a sua agenda é um sistema em plena perda de legitimidade.

. Participação
É o processo pelo qual os cidadãos atuam no sistema político a fim de obter os resultados que lhes interessam. Todo sistema democrático combina diferentes formas de participação e representação. A forma de participação que tende, no futuro, a continuar crescendo é a participação por pressão direta: grupos organizados atuam sobre as autoridades públicas, especialmente o Executivo, para obter satisfação direta de seus interesses particulares. A velocidade da comunicação e a mobilidade possibilitou a ação direta internacional, criando um novo e influente interlocutor para os governos, as ONGs (Organizações Não Governamentais).

. Poder
É o que permite a um indivíduo obter de outro um comportamento que seja de seu interesse. O indivíduo (ou grupo de indivíduos) que exerce o poder é supostamente capaz de conseguir, com uma dose razoável de certeza, que um determinado comportamento se realize, independentemente da vontade daquele que se submete ao poder.
O senso comum costuma associar o poder político ao poderio econômico ou militar. Somente aqueles que controlam grandes quantidades de riquezas e forças materiais teriam poder político. Entretanto uma análise mais cuidadosa comprova que apoio popular, capacidade de mobilização e organização, além de outros recursos, são pelo menos tão importantes quanto a riqueza como fonte de poder nas democracias contemporâneas. É a isto, junto com a capacidade de gerar e processar informações, que se tem chamado "soft power", algo mais próximo do conceito de influência e do fenômeno da liderança, sobretudo na área internacional.

. Sistema político
É o conjunto de instituições que participam da tomada de decisões das quais decorrem normas públicas de comportamento, cuja obediência se impõe à sociedade. Nesse sentido, podemos dizer que o sistema político como um todo detém a autoridade sobre as decisões públicas.
Formam o sistema político, por um lado, um conjunto de instituições e, por outro lado, um conjunto de sistemas de regras. Dentre essas instituições, as principais são o governo, os partidos, o Congresso e todas as instituições da sociedade civil que têm um papel politicamente relevante. Dentre os sistemas de regras, os mais importantes são o regime de governo, o sistema eleitoral e o sistema partidário.
O que se vai discutir, no futuro, é que regras definirão o que é essencial num sistema político e que instituições irão comandá-las. Regras e instituições podem nada ter a ver com as formas que hoje conhecemos. Por exemplo, mais importante do que presidencialismo e parlamentarismo, voto proporcional ou majoritário, vai se discutir a modelagem do sistema, se majoritário ou consensual.
Os sistemas políticos contemporâneos, seguindo um tendência a reconhecer cada vez mais as prerrogativas da oposição e das minorias, têm adotado, sobretudo na Europa, dispositivos de natureza consensual -como instituições federativas- e prerrogativas políticas, sociais e culturais para as minorias -como participação proporcional do Executivo e na gestão de determinadas políticas.

José Augusto Guilhon de Albuquerque é professor titular de ciências políticas da USP; foi organizador de "Sessenta Anos de Política Externa Brasileira" (1996).

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