São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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A moda que vem de fora

GILBERTO DIMENSTEIN

Enviado especial do governo americano chega ao Brasil este mês para investigar eventuais delinquências trabalhistas cometidas por empresas brasileiras. Intromissão estrangeira?
Não. Em essência, um serviço ao consumidor. Número crescente de americanos se escandaliza com a exploração da mão-de-obra nos produtos que importa. Especialmente quando envolve trabalho infantil.
Em determinados ambientes, comprar sapato ou roupa feita por crianças e empregados sem direitos trabalhistas é algo semelhante a andar com casaco de pele ou usar bolsa de pele de jacaré. Pega mal.
Constrangidos, os consumidores bem informados boicotam produtos feitos por crianças ou por trabalho semi-escravo, numa punição eficiente que não espera por leis nem governos.
"Quem emprega crianças para reduzir seus custos vai começar a perder dinheiro", afirma Sonia Rosen, do Ministério do Trabalho dos EUA. Rosen chefia o departamento que investiga mão-de-obra infantil embutida nos produtos importados pelos Estados Unidos.
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O funcionário do Ministério do Trabalho americano que irá ao Brasil ouvirá sindicatos, empresários, organizações não-governamentais, representantes do governo.
Suas conclusões serão incluídas num relatório a ser entregue ao Congresso americano. Muitos parlamentares, aqui, apóiam a proibição da compra de produtos fabricados com mão-de-obra ilegal.
A idéia tem simpatizantes na Casa Branca, pressionada por sindicatos que reclamam da perda de empregos porque chega do exterior produtos mais baratos.
"Temos notado avanços no Brasil que estarão registrados no relatório", diz Sonia Rosen. Ela acompanha esforços de empresas brasileiras para erradicar o trabalho infantil, num projeto articulado pela Fundação Abrinq e apoiado pelo governo brasileiro.
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O tema é delicado. Eventual denúncia de que fábricas de sapatos exploram crianças é capaz de sujar indiscriminadamente a imagem de um importante produto na pauta brasileira de exportações.
Como a imprensa daqui descobriu o filão, repórteres caçam informações sobre o tema em vários países. Quem é pego vira alvo de pancadaria.
Nem o ídolo Michael Jordan escapou. Foi obrigado a explicar por que aceitava ganhar US$ 20 milhões anuais da Nike, que montou suas fábricas em países pobres que não respeitam direitos trabalhistas.
Acuada, a empresa contratou um respeitado defensor de direitos humanos -Andrew Young- para investigar suas fábricas e dar satisfação à opinião pública.
Young já mandou dizer que, apesar de receber um polpudo salário da Nike, vai apontar publicamente as irregularidades que encontrar.
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Virou moda por aqui empresas contratarem figuras notáveis e independentes para analisar como são tratados negros, mulheres e hispânicos. Pode sair barato.
Por causa de comentários racistas feitos por alguns de seus mais altos executivos, a Texaco vai pagar a seus funcionários negros a bolada de US$ 157 milhões, por danos morais. Agora, contratou um ex-juiz federal negro (Leon Higgenbotham) para propor medidas saneadoras.
A Mitsubishi virou manchete porque funcionárias reclamaram de abusos e discriminação. Contratou uma ex-ministra do Trabalho dos EUA para rever o procedimento da empresa.
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A saudável moda de misturar direitos humanos e negócios vai ganhar novo impulso esta semana, quando o presidente Bill Clinton anunciar uma ofensiva.
Grandes empresas norte-americanas do setor de vestuário, como a Gap ou a Banana Republic, por exemplo, costuraram um acordo para garantir condições mínimas de dignidade nas fábricas que produzem seus produtos em países pobres.
Após meses de reunião com sindicatos e especialistas em direitos humanos, as empresas se comprometeram a garantir tratamento humano aos operários, redução das jornadas excessivas de trabalho e a discutir aumentos salariais. Em troca, ganham um selo tranquilizando a consciência do consumidor americano.
As empresas toparam discutir fórmulas alternativas para elevar o salário em países como o Haiti (ou o Brasil), onde o salário mínimo estipulado por lei não garante vida digna para o trabalhador e sua família.
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Como brasileiro, não me sinto ofendido com esse tipo de investida do governo americano. Pelo contrário.
Se há empresários brasileiros que não respeitam o trabalhador brasileiro é bom que sejam punidos. Nem que seja por um estrangeiro.
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PS - Como parte de seu marketing social, grandes empresas americanas estão treinando e contratando desempregados crônicos, que sobrevivem às custas do dinheiro público. É alternativa que merece ser estudada no Brasil, onde a situação é muito pior. Artigo sobre este experiência está disponível por e-mail em português.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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