São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997
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A turma

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Eram muitas, eram imensas as dificuldades para que se chegasse ao átrio da turma de Lygia Soares. Precisava-se de pistolão, indicações de pessoas graduadas no círculo -e como era complicado o círculo que se dividia e subdividia em esferas de prestígio e de prestação de serviços. Para penetrar no núcleo do sistema -que era Lygia- as catecúmenas tinham de aplicar os mesmos golpes que tornam um cidadão vereador, produtor cultural ou presidente da República.
A iniciação incluía pequeninas regras de comportamento, gíria e vestuário. Até a maneira de tomar água-de-coco no posto 9, em Ipanema, era desclassificatória. Aquela que usasse canudinho jamais sairia da periferia, do baixo clero.
O mais difícil, quase impossível, era acompanhar a velocidade do estar por dentro e estar por fora.
Hoje, a onda era gostar de Simone e Gonzaguinha. Sem que nada acontecesse, no dia seguinte era crime de lesa-Lygia gostar de uma ou de outro, todas tinham de conhecer o repertório básico de um cara que se dizia indiano e que a duras penas gravara um compacto incompreensível e chatérrimo.
Mais uma semana e era preciso saber o nome dos casos do novo iluminador do show que a Rita Lee ia dar no Canecão. Na outra semana, a grande regra era citar os primeiros versos de um poema da ex-musa de Jimmy Hendrix -a lenda local atribuía a uma baiana pouco asseada, suspeita de fazer versos pós-modernos, a glória de ter dormido uma noite com o finado cantor.
Bem que tentaram uma dissidência. Criaram a alternativa que se chamava Sônia Noronha, uma lésbica que falava um dialeto das Ilhas Papuas -e aquela que pelo menos não soubesse onde ficavam as Ilhas Papuas era coberta de opróbrio. A dissidência durou pouco, houve uma arrumação de cúpula, Lygia e Sônia tiveram um caso e aí a confusão, como dizia Machado de Assis, era geral. Mas quem era Machado de Assis?

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