São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997
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Haja contradição

FERNANDO CANZIAN

São Paulo - A negociação do superteto salarial de R$ 21,6 mil para a elite do comando do país revela apenas mais uma entre as tantas contradições brasileiras.
São políticos querendo garantir um privilégio que vai beneficiar a menor parcela, mesmo, dos trabalhadores.
Basta observar que só 1,6% das pessoas que trabalham no Brasil ganha por mês mais de 20 salários mínimos (R$ 2.240), segundo o IBGE. Os deputados hoje ganham R$ 8.000 (71,4 salários), mas querem R$ 21,6 mil (192,8). Isso para aprovar uma reforma que, em tese, seria boa para todos.
Mas trata-se de apenas mais uma contradição, entre tantas: como policiais que espancam contribuintes no horário nobre; políticos e administrações suspeitas de roubar dinheiro público; hordas de sem-terra em um dos maiores e menos produtivos países do mundo.
A lista é grande. E seria ótimo que o país se debruçasse sobre as contradições cada vez que elas mostrassem sua cara feia. Normalmente, é assim que os problemas são resolvidos.
Mas o Brasil, infelizmente, não segue a regra. Aqui, cenas e casos escabrosos geram indignação tão instantânea quanto momentânea. Causam uma saraivada de "ohs!" e xingamentos e pronto. Passam.
As autoridades, claro, não ajudam. Não pegam nem no tranco das contradições. E a raiva popular, passageira, vai pelo ralo, sem as mudanças correspondentes para resolver os problemas.
O mais desanimador é constatar que alguns políticos, a começar pelo próprio presidente, têm diagnósticos coerentes e até irrepreensíveis para resolver algumas das contradições.
Mas parecem esperar um empurrão maior, sólido e firme da indignação pública. E esse empurrão raramente aparece.
Logo, mais uma contradição: esperar que os salários turbinados que nossos políticos negociam em causa própria os incentivem a resolver os problemas dos outros.

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