São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 1997
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Faminta, Coréia do Norte importa conhaque

RICHARD LLOYD PARRY
DO "THE INDEPENDENT", EM SEUL

Poucos fatos são conhecidos acerca da Coréia do Norte, mas uma coisa vem ficando certa nas últimas semanas: após dois anos de enchentes e estagnação econômica, o país se encontra à beira da fome em escala total.
Mas um produto, pelo menos, não está em falta. A Coréia do Norte ainda consome uma quantidade desproporcional do melhor conhaque francês do mundo.
As quantidades não são grandes pelos padrões mundiais, mas são notáveis por tratar-se de um país que, na semana passada, foi alvo de um apelo por US$ 126 milhões em ajuda alimentar emergencial, lançado pela ONU.
Nos dois primeiros meses do ano, segundo cifras oficiais francesas, os produtores de conhaque exportaram 200 litros -cerca de 285 garrafas- a Pyongyang. Em 1996, o total foi de 300 litros.
Um porta-voz da Hennessy negou-se a fornecer detalhes exatos, mas confirmou que a companhia exporta várias marcas de conhaque à Coréia do Norte, desde o conhaque VSDP, vendido por cerca de US$ 50 a garrafa, até o Richard Hennessy, cada garrafa do qual é vendida por US$ 1.500.
Desde a primeira onda de enchentes devastadoras em 1995, o país mais obstinadamente comunista do planeta já gastou mais de US$ 250 mil com um dos luxos mais deslavados do mundo.
Favores
Na verdade, tudo indica que o consumo de conhaque ao norte da zona desmilitarizada vem aumentando, ao mesmo tempo que a economia vem caindo.
Em 1995, as exportações de conhaque francês à Coréia do Norte chegaram a apenas um oitavo das do ano passado.
Talvez esteja aí a explicação do enigma. É praticamente certo que o conhaque, importado a pedido da missão diplomática de Pyongyang em Paris, seja reservado para os integrantes dos mais altos escalões do Partido dos Trabalhadores, incluindo o líder supremo do país, o "Querido Líder" Kim Jong-il.
Como muitos produtos de luxo ocidentais, o conhaque é valorizado na Ásia sobretudo como símbolo de prestígio, algo que no momento está fazendo muita falta ao governo norte-coreano.
As garrafas de conhaque são oferecidas de presente, visando influência e favores.
Um dos muitos fatores de incerteza na Coréia do Norte é a lealdade das Forças Armadas nacionais, com seu 1 milhão de efetivos, ao governo.
Supondo que ele não o beba todo sozinho, o conhaque comprado pelo "Querido Líder" deverá acabar nos copos dos militares. Longe de representar uma extravagância, talvez constitua um indicador do desespero do governo.

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