São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Campos, a festa e a missa

CLÓVIS ROSSI

Rio de Janeiro - Realizava-se ontem à noite, nos salões do Copacabana Palace, mais uma dessas cerimônias de que o brasileiro tanto gosta: beatificar alguém que morra ou faça aniversário redondo (meio século, 80 anos ou 100 anos), sem o devido processo canônico.
O santo do dia chama-se Roberto de Oliveira Campos, deputado federal (PPB-RJ), ex-ministro e ex-embaixador do regime militar, 80 anos.
O Campos de hoje não parece necessitar de advogados de defesa, pois os tem em quantidade infinitamente superior à de seus também não poucos detratores de anos atrás.
Por isso e para instruir devidamente o processo canônico, convém apresentar as ressalvas de praxe.
Não, leitor, não vou acusar Campos de liberal, de entreguista ou de qualquer outro dos xingamentos que ouviu em sua longa vida. Do meu ponto de vista, ele é apenas incongruente.
Liberal de fé jamais apóia regimes autoritários. Campos, o inimigo da intervenção estatal, não só apoiou como participou do regime que promoveu a mais brutal intervenção do Estado na vida dos cidadãos.
E não foi apenas uma intervenção na economia.
O Campos que derrama seu humor corrosivo sobre tudo que cheire a intervenção estatal não foi capaz de produzir uma mísera vírgula de crítica a um regime que decidia que notícias os brasileiros podiam ou não ler, que canções podiam ou não cantar, que filmes podiam ou não assistir.
E, pior, decidia também que brasileiros deveriam ser ou não torturados, mortos, exilados, banidos, cassados, sempre sem o menor respeito à lei. Liberal de fé exige o respeito aos contratos, mas não apenas na vida econômica. Acima de tudo, exige o respeito aos direitos alheios.
A incongruência na biografia de Campos não impede que valha uma festa, pelo vigor intelectual, goste-se ou não do que diz. Só tenho dúvidas se vale também uma missa.

Texto Anterior: FILA NO BANCO
Próximo Texto: O que pensa Lula
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.