São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 1997 |
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Cuidado com o andor, ele é de barro
JOSÉ SARNEY Nossa relação com a Argentina é o tema mais importante da política externa do Brasil. Não podemos colocá-la em um nível de displicência ou de arrogância. Seu lugar é o da amizade e cooperação absoluta. Dela depende o presente e o futuro do continente. A história da América do Sul está alicerçada nessa união. Vejo com profunda preocupação esses entreveros que estão surgindo.Minha presença na política brasileira só se justifica na razão de minha clareza e determinação em dizer as coisas como são e cumprir o meu dever de defender o Brasil. A causa da integração é grande demais para ficar à mercê de bate-boca de embaixadores ou questionamentos de operação diplomática. Considero equívoca a maneira como estamos tratando esse problema. Vejamos os fatos: o embaixador da Argentina, Diego Guelar, de língua solta, declara algumas coisas que jamais um embaixador, conhecedor das praxes, poderia dizer. Ele não foi feliz nem mostrou habilidade para conduzir o mal-entendido das restrições às importações. Embaixador é para apagar incêndios e não para atear fogo. Contudo vai daí um longo caminho para criarmos uma crise com a Argentina, e isso não está no atual nível de nossos interesses e cooperação, longe do patamar de nações afastadas, regidas pelo velho catecismo de fórmulas desatualizadas, como de notas e de ameaças de retirada de embaixador. Estabelecemos no Cone Sul um tipo de entendimento informal e pessoal entre presidentes e funcionários do alto escalão, alcançando um nível de diálogo e normalidade capaz de digerir e administrar divergências e nutrir relações maduras e fraternas. É incompreensível que o ministro da Fazenda e diretores do Banco Central se envolvam em questões diplomáticas, criando problemas e truncando vias normais de relacionamento. Quem fala em nome do país é o Ministério das Relações Exteriores, acima dele só o presidente da República. A Argentina tem razão nesse episódio do financiamento das importações. Ele foi mal conduzido. Houve falha de comunicação, nada foi informado ao nosso principal parceiro. O outro erro foi o destempero do embaixador Guelar. Mas, para corrigir destemperos, temos os canais do relacionamento fluido, de amigos e de relações altamente francas, para dirimir esses incidentes. Jamais pedir afastamento de embaixador ou estabelecer fórmulas usadas pelos que não têm amizade e os interesses comuns que temos com a Argentina. Nossas relações com a Argentina são prioritárias, preferenciais e singulares. Não podemos tratá-las com essa frieza das praxes diplomáticas. Delas dependem o sucesso do Mercosul, dos novos caminhos da América do Sul, do Cone Sul, e não podem ser obra de burocratas da economia. Que o Brasil mande ficar calado o ministro da Fazenda, o diretor do Banco Central e outros. E a Argentina que silencie o embaixador Guelar e outros. Devem falar ou Lampreia e/ou Guido Di Tella, Menem e Fernando Henrique. Esse jogo, como dizia Tancredo, é para profissionais. A continuar assim, vamos mal no maior feito moderno de nossos países: o novo patamar das relações Brasil-Argentina. Texto Anterior: Começo do fim Próximo Texto: Direitos humanos não têm fronteiras Índice |
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