São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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As traduções de "O Corvo"

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Devo ao poeta e tradutor Ivo Barroso uma descoberta que merece reflexão. Trata-se do poema "O Corvo", o mais famoso de Edgar Allan Poe e um dos mais expressivos do gênio humano. Como todo mundo, sabia quase de cor a tradução de Machado de Assis e a de Fernando Pessoa.
Preferia a de Machado, apesar de Fernando ter sido o poeta maior que foi e de dominar o inglês bem melhor do que Machado. Ambas têm defeitos: Machado não conhecia o verso longo, ficava bitolado pelas medidas tradicionais que não iam além do alexandrino.
Pessoa fez um de seus piores trabalhos: usa rimas paupérrimas, como os diminutivos, os particípios e os infinitivos. Eu estava condenado a ir para debaixo da terra sem a revelação que o Ivo Barroso me trouxe: um jornalista mineiro, Mílton Amado (1913-1974), redator de "O Diário" de Belo Horizonte, tem uma tradução absolutamente genial do grande poema. Dá de 20 em Machado e Pessoa -dois monstros sagrados da nossa literatura.
O próprio Ivo escreveu um ensaio a respeito, mas foi num almoço informal que ele começou a recitar trechos da tradução de Mílton Amado e eu fiquei assombrado.
O espaço da crônica é pequeno para transcrever alguns exemplos. Mas vamos à reflexão: assim como um modesto intelectual de província consegue superar, como tradutor, dois gigantes emblemáticos do Brasil e de Portugal, devem existir por aí, pela vastidão anônima de um país ilhado culturalmente, muitos talentos e, quem sabe, alguns gênios.
Outro dia recebi, também de Minas, trabalhos avulsos de Jarbas Medeiros. Já o conhecia de nome e fama, conheço-o agora de obra. É uma coisa séria em matéria de vanguarda, de audácia. Em São Francisco ou em Nova York, escrevendo em inglês, Jarbas colocaria qualquer Kerouac ou Ginsberg como aquilo do cavalo do bandido.

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