São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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Orçamento austero e estabilidade

ANTONIO CARLOS MAGALHÃES

A seriedade no trato do Orçamento da República é um dos maiores deveres do Legislativo, a quem a sociedade delega poderes de fiscalizar os gastos públicos e de criar instrumentos que garantam a boa aplicação de cada centavo dos recursos arrecadados pelo sistema tributário. E, para exercê-lo, deve estar fortalecido junto à sociedade, pois advém daí o respaldo de que necessita para apontar erros, sugerir correções e exigir a lisura na condução do governo.
A peça orçamentária deve ser o instrumento maior da política do Executivo. E, à medida que a elaboração dessa lei e o acompanhamento da sua execução contam com a participação do Congresso, tem-se como subproduto a melhoria da imagem do Legislativo.
Por maiores que tenham sido os esforços da Comissão Mista de Orçamento, no último ano, visando ao aperfeiçoamento do sistema orçamentário, a situação deixa ainda muito a desejar. A começar pelo próprio ritmo de discussão e de aprovação da Lei de Meios.
É necessário que trabalhemos firmemente junto ao governo, enquanto não se muda constitucionalmente a data de envio da sua mensagem ao Congresso, para obtermos um acordo na antecipação dos prazos, para que o Orçamento do próximo exercício seja votado ainda no ano do seu encaminhamento.
A Comissão Mista de Orçamento, instalada na última terça, tem como tarefa maior aperfeiçoar a sistemática dos gastos públicos do país, ainda cheia de vícios e erros, e que tem contribuído para agravar os desníveis regionais de renda, já que por vezes chega ao completo abandono de regiões mais pobres.
O Brasil vive um momento de grandes definições e de reassentamento dos seus valores. Questionamos desde o papel do Estado na sociedade -e em cima desse questionamento avançamos no processo de privatização de setores da maior relevância- até o papel das polícias militares nos grandes centros.
Questionamos também a carga tributária cobrada dos diversos segmentos da economia, os porquês do nosso embaraço na competitividade internacional -o chamado "custo Brasil" (portos inoperantes, estradas ruins, telecomunicações deficitárias, despreparo de amplas camadas da população para absorver novas tecnologias etc.)- e dos nossos altos níveis de concentração de renda pessoal e regional.
Este momento, marcado por uma verdadeira busca de uma identidade nacional, é altamente propício para darmos um novo salto no fortalecimento da democracia, com a elaboração de um Orçamento mais austero.
É preciso refletir melhor, por exemplo, sobre o limite ao número de emendas dos parlamentares. Há quem sugira que dez seria um bom número. Outros alegam que o importante não é limitar o número de emendas individuais ou coletivas, mas garantir que os valores alocados sejam compatíveis com o tipo de ação proposta no Orçamento, de modo a evitar as janelas orçamentárias.
Mesmo os que advogam a fixação de um limite estreito de emendas para cada parlamentar alertam para a importância de coibir essas janelas, que nada mais são que o estabelecimento de rubricas que entram no orçamento apenas para, no futuro, justificar o carreamento de recursos para projetos não contemplados na proposta original.
A antiga busca de um melhor papel para a Lei de Diretrizes Orçamentárias deve ser retomada. Talvez pudéssemos transformá-la numa peça menos tecnicista, espécie de orçamento prévio, que poderia nascer de um trabalho comum entre Legislativo e Executivo. Esse modelo certamente teria vantagens sobre o atual, que encaminha ao Congresso um Orçamento já pronto, sabe-se lá mediante que critérios e metodologias.
A questão das agências financeiras oficiais de fomento precisa ser revista, de modo a tornar mais transparentes suas aplicações, para que saibamos previamente aonde irão seus recursos e com que objetivos. É fundamental que o Congresso seja informado do direcionamento dos recursos do BNDES, do Basa, do BNB e de outras instituições desse porte. Temos também de deixar mais claras as Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP), termômetro do acerto ou desacerto da política econômica do governo.
Quando analisamos os orçamentos dos países mais organizados, podemos ver logo qual é o déficit público estimado para o exercício subsequente. No Brasil não acontece isso. As pessoas ficam sabendo do déficit público na base do susto, ao longo do ano em curso.
As peças orçamentárias deveriam estar consolidadas a tal ponto que permitissem, de imediato, a leitura do déficit público do país, quer pelo conceito primário, quer pelo conceito operacional, até para que o Congresso pudesse fazer melhor juízo, a priori, sobre a política econômica ditada pelo Executivo.
Assim, poderíamos chegar ao nosso objetivo final, que é impor como prioridades absolutas na elaboração do Orçamento uma conduta rigorosa de austeridade e o atendimento às maiores necessidades da população, de modo a que se possa prestar contas, com absoluta clareza, sobre como e onde serão gastos os recursos públicos e quais serão, de fato, os retornos socioeconômicos por eles propiciados.

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