São Paulo, sábado, 26 de abril de 1997
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Dor deixou índio em estado de choque

WILLIAM FRANÇA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O índio Galdino Jesus dos Santos, 44, sofreu por quase uma hora os efeitos das queimaduras que atingiram 95% do seu corpo, até que lhe fosse prestado atendimento médico.
Pela descrição dos boletins de atendimento, ele foi incendiado às 5h10 de domingo e só chegou ao hospital às 6h05.
Com base nos boletins da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros e do Hospital Regional da Asa Norte, é possível reconstituir parte do sofrimento do índio.
A dor chegou a ser tão forte que, em parte desse tempo, ele ficou em estado de choque.
Galdino estava dormindo quando foi incendiado. Ele acordou e, com o corpo em chamas, andou cambaleante por cerca de três metros.
Nesse tempo, chegaram as primeiras pessoas que o socorreram, tentando apagar o fogo com um casaco (por abafamento), água, cerveja e pó químico de extintores de incêndio.
Choque térmico
A mistura desses componentes provocou um choque térmico. Ele ardia a mais de 200oC e teve a temperatura rebaixada a zero, imediatamente, por causa do extintor.
Além disso, o pó do extintor e a cerveja reagiram, formando uma espécie de espuma efervescente sobre a pele queimada.
Os socorristas tentavam arrancar parte da roupa que ardia -e junto, arrancavam a pele. Foi com esse quadro que os policiais militares o encontraram, às 5h20.
Pelo rádio, foi acionada a ambulância do Corpo de Bombeiros, que chegou cerca de dez minutos depois, às 5h30.
Nesse momento, o índio estava em estado de choque (ou seja, o sangue bombeado pelo coração não chegava a todos os órgãos).
Os bombeiros despejaram alguns litros de soro fisiológico sobre o índio, numa tentativa de reidratá-lo. Segundo médicos, de pouco adiantou esse procedimento: com o fogo e sem a pele, a perda de líquido foi imensa.
Com a mistura dos produtos usados para apagar o fogo, houve contaminação do sangue. Assim, o primeiro órgão atingido, depois da pele, foi o rim. O hospital registra que o índio chegou às 6h05.
Ele entrou em coma, mas resistiu durante 20 horas no hospital até morrer.
Missa de 7º dia
Os índios pataxós hã-hã-hãe participam amanhã na aldeia de Pau Brasil (sul da Bahia) da missa de sétimo dia da morte de Galdino.
Após a celebração, os pataxós vão realizar mais um ritual de protesto pelo assassinado.
Ontem à tarde, os pataxós que moram em Coroa Vermelha, na região de Porto Seguro (705 km ao sul de Salvador), deveriam entregar uma carta ao presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Lucas Moreira Neves.
Neves, cardeal de Salvador (BA), deveria participar de uma missa comemorativa do descobrimento do Brasil. Na carta, os pataxós repudiam o assassinato do índio. O documento diz também que os índios são submetidos à miséria, à fome e ao analfabetismo.
Posse da terra
Até o início da tarde de ontem, a Justiça de Ilhéus (429 km ao sul de Salvador) ainda não havia enviado à Funai (Fundação Nacional do Índio) o documento que legaliza a ocupação dos pataxós sobre a área das cinco fazendas.
Os pataxós reivindicam uma área total de 36 mil hectares na região, dada a eles pelo governo federal na década de 20 -os 788 hectares ocupados estão dentro deste total. Os fazendeiros têm os títulos de posse das áreas emitidos nas últimas três décadas.

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