São Paulo, sábado, 26 de abril de 1997
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Governo tenta enterrar líder sem presença de família

IGOR GIELOW
DO ENVIADO ESPECIAL

O governo peruano tentou "driblar" os parentes de Néstor Cerpa Cartolini, líder da ação do MRTA em Lima, para enterrar o corpo do guerrilheiro em local diferente do combinado. A ação está sendo investigada como abuso pela Defensoria Pública do Peru.
O incidente ocorreu na noite de anteontem. A tia de Cerpa, Rosa Cartolini, pagou o equivalente a US$ 80 ao Hospital da Polícia Nacional -cujo necrotério abrigou os corpos de todos os 14 membros do MRTA mortos na terça-feira.
Por volta das 19h, a polícia anunciou a Rosa que o corpo de seu sobrinho seria encaminhado ao cemitério da localidade de Chorillos, na área metropolitana de Lima.
Rosa, seu marido e outros parentes foram ao cemitério. Até as 21h, não havia sinal do corpo de Cerpa. Os familiares voltaram para o hospital e foram informados que o cadáver não estava mais lá.
Uma promotora da Defensoria Pública, que acompanhava a família, então pediu para falar com os policiais do hospital.
Foi dada a localização do cemitério de Esperanzas, na periferia de Lima. O enterro ocorreu no final da noite. "Isso é cruel", disse uma mulher que se identificou como Maria, prima de Cerpa.
Sem velório
Outra atitude que revoltou as famílias dos guerrilheiros foi o
impedimento de velórios.
"Não dá. Os outros (mortos) recebem honras, e nós não podemos nem ver nossos parentes", disse Edison Rojas Fernández, irmão de Roli Rojas Fernández -o "El Árabe", número dois da ação.
"El Árabe" foi enterrado na presença da família. Sob os gritos de "justiça", seu caixão desceu à cova às 18h15 de anteontem no cemitério público El Sauce, em San Juan de Lurigancho. "Fujimori, você é um assassino", afirmou a mãe de "El Árabe", Maria.
Outros
O destino dos outros 12 cadáveres permanece misterioso. O irmão da guerrilheira Luz Dina Villoslada Rodríguez ("La Gringa"), Miguel Villoslada, tentou retirar o corpo no Hospital da Polícia Nacional na noite de anteontem.
"Eu não a via desde os seis anos, mas é minha irmã e tem de ser enterrada de forma cristã", disse Villoslada, que voltou para casa com uma negativa -ela teria documentos falsos, o que atrasou a redação final do atestado de óbito.
A Folha telefonou ontem para o necrotério e foi informada que os cadáveres permaneciam lá, à espera de "desentraves burocráticos".
Mas a Defensoria Pública recebeu a informação de que os 12 corpos teriam sido enterrados em covas rasas em três cemitérios diferentes na periferia de Lima.
Além da confusão, a situação causou protestos entre os religiosos de Lima. Segundo o cardeal Augusto Vargas Alzamora, de Lima, os mortos têm direito de receber um enterro com sacramentos da Igreja Católica.
"Não devemos nos alegrar, e sim lamentar a morte dessas 14 pessoas equivocadas", afirmou.
(IG)

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