São Paulo, domingo, 4 de maio de 1997
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Setor de alimentos cria geração sabor pizza

LUCIA MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL

Com os olhos vendados, uma pessoa chega a sua casa com um Gol 80 e não há nada para comer. Mas a sensação é de que veio em um carro novo e que, para jantar, há camarão, lagosta, salada de tomate e vinho branco.
A ilusão pode ser criada com apenas cinco frascos com líquidos totalmente fabricados em laboratório. O mesmo truque foi usado por uma empresa alimentícia britânica que lançou, na semana passada, cenoura com sabor de chocolate, couve-flor com sabor de queijo e milho com gosto de pizza.
Iniciativa de um instituto de combate ao câncer, a intenção foi convencer crianças a comer mais vegetais. Os objetivos podem ser diferentes, mas essa é uma amostra de "transferência de aplicação", uma nova tendência dos aromatistas -os inventores de sensações, sabores e cheiros.
"As pessoas estão sempre buscando novos aromas e nós tentamos criá-los", diz a farmacêutica Hissako Cojima, responsável pela pesquisa feita na Givaudan-Roure, uma produtora suíça de aromas que tem filial em São Paulo.
A área de atuação da Givaudan-Roure soma mais de 3.000 produtos diferentes. São sabores e cheiros para biscoitos, bolos, batatas fritas, bebidas, gelatinas, iogurtes, sopas, molhos, remédios, sabonetes, pasta de dentes etc.
Um produtor de biscoito que encomenda um aroma artificial de morango, por exemplo, pode escolher entre centenas de tipos diferentes de aromas da fruta produzidos em tubos de ensaio. Pode ser mais fresco ou mais seco, mais amargo ou mais doce, mais maduro ou mais verde e até específico de uma região (cultivado em São Paulo ou no Sul do país).
À parte esse tradicional uso de aromas artificiais, está crescendo a moda de mascarar a realidade e criar um simulacro de uma nova. Como os vegetais do Reino Unido, há inúmeros exemplos no Brasil.
Apesar de não poder revelar o nome do cliente, a própria Givaudan-Roure já produziu aroma de picanha para ser colocado em bife de fígado e cheiro de queijo provolone para ser usado em queijo prato. "Quanto melhor o cheiro, mais o produto vende", afirma Cojima.
Outra fabricante de aromas, a alemã SBI, também já produziu sensações "fakes". O cheiro de carro novo já foi usado para elevar a venda de carros usados.
"O efeito psicológico é grande. Acontece o mesmo quando você coloca um aroma agradável no ar. Muitas vezes a pessoa nem percebe por que começou a ter sensação de bem-estar", diz o diretor da SBI, Jean-Claude Elkaim.
A mesma tática está começando a ser usada pelo fabricante de automóveis Renault, na França. Eles estão usando cheiro de baunilha nos acessórios do carro para fazer o motorista se sentir melhor.
O uso de substâncias "sedutoras" pela indústria se adapta às diferenças culturais. No Brasil, os produtos enviados para o Nordeste e Norte são mais doces e, para o Sul, mais amargos. "Uma pesquisa mostrou que o eucalipto produz sensação de natureza nos europeus do norte. Já na França, lembra remédio. O mesmo ocorre com manteiga no Brasil: no Norte, as pessoas gostam dela mais rançosa; no Sul, não", diz Elkaim.
A "transferência de aplicação" é criticada por muitos profissionais, principalmente os que trabalham com crianças. Muitos acham desaconselhável dar um vegetal com sabor de chocolate a uma criança.
"Ela tem que aprender a gostar da variedade de gostos e cheiros que existe no mundo. Uniformizar aromas é completamente errado", diz Fábio Lopez, presidente do Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Pediatria.

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