São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Reforma evitaria guerra jurídica da Vale

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo teria reduzido o desgaste da batalha jurídica em torno da privatização da Vale do Rio Doce caso tivesse se empenhado na aprovação da reforma do Judiciário, que se arrasta há anos no Congresso Nacional.
O substitutivo do deputado Jairo Carneiro (PFL-BA) tem um artigo que se adapta perfeitamente ao caso da Vale.
A proposta determina que as ações contra a União deverão ser propostas no Distrito Federal quando envolverem "seções judiciárias de regiões diversas".
Essa foi exatamente a situação da Vale, afirma o professor de direito administrativo da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Carlos Ari Sundfeld.
O mesmo dispositivo se aplica a ações contra autarquias e empresas públicas. Nesse caso, o substitutivo diz que as ações devem ser propostas na sede das entidades.
Na véspera do leilão de privatização da Vale, o governo se viu encurralado por uma série de ações públicas contra a venda da estatal, muitas das quais com liminares.
O deputado Jairo Carneiro parecia antever o que o governo enfrentaria. Na exposição de motivos do substitutivo, ele diz que a novidade será aplicada quando houver "conflitos entre jurisdições de seções judiciárias diversas".
A discussão da reforma do Judiciário está há anos em pauta no Congresso Nacional.
O substitutivo de Carneiro foi apresentado a um projeto de emenda proposto pelo deputado Hélio Bicudo (PT-SP) em 1991.
Gaveta
Segundo Bicudo, o projeto ficou engavetado por cerca de quatro anos. Só voltou à discussão há dois anos, com a instalação de uma comissão especial para analisá-lo.
Jairo Carneiro acabou fazendo um substitutivo do qual Bicudo discorda quase na íntegra.
A proposta de Carneiro muda 36 dos 43 artigos da Constituição dedicados ao Poder Judiciário.
Entre as principais inovações estão a súmula vinculante, a criação de um órgão de controle do Judiciário, a extinção dos juízes classistas, o combate ao nepotismo e a transferência para a Justiça Federal do julgamento de crimes contra os direitos humanos.
"O substitutivo desfigurou totalmente o projeto original", diz Bicudo. O deputado propunha a extinção da Justiça Militar, da Justiça Federal de primeira instância e das Juntas de Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho.
As atribuições dessas Justiças especializadas seriam transferidas à Justiça Estadual. "Hoje há duplicidade de funções", diz Bicudo.
A federalização dos crimes contra os direitos humanos é um dos poucos pontos defendidos pelo deputado petista. O projeto considera direitos humanos aqueles definidos em tratados internacionais adotados pelo Brasil.
Fim do sigilo
Outro ponto que encontra consenso entre as pessoas ouvidas pela Folha é a publicidade de todos os atos do Judiciário, inclusive os de natureza administrativa.
Na opinião de Tercio Sampaio Ferraz Júnior, professor de introdução ao estudo do direito da USP (Universidade de São Paulo), a publicidade é fundamental para o controle dos atos do Judiciário. Sem ela, de nada valeria a criação de um órgão de controle administrativo e disciplinar, diz.
Esse órgão, batizado pelo substitutivo de Conselho Nacional de Justiça, promete ser polêmico. Bicudo, por exemplo, o considera inconstitucional, por permitir a intervenção de um órgão nacional nas atividades dos juízes estaduais.
O presidente da Associação Juízes Para a Democracia, Dyrceu Cintra, considera tímida a composição do conselho. Ele defende a participação de representantes da sociedade civil.
A súmula vinculante também divide opiniões. Bicudo e Cintra são contra, por acreditarem que ela engessará a jurisprudência. Sundfeld vê nela uma forma de descongestionar a Justiça. E Ferraz defende sua aplicação apenas a questões de direito público.

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