São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Privatizações deveriam desconcentrar riqueza

EDUARDO RIBEIRO CAPOBIANCO

Cresce na opinião pública a convicção de que o processo de privatização não está sendo conduzido corretamente. Qual é o cidadão que não se sente incomodado com o fato de um bem público valiosíssimo como é uma estatal ser vendido a um grupo econômico que já detém parcelas majoritárias em mercados oligopolizados?
A sociedade moderna que queremos pressupõe o fortalecimento da economia de mercado e uma melhor distribuição de renda. Quanto menos poder tiverem monopólios e oligopólios, quanto menos concentrada for a renda, melhor para o país.
Num mercado em que se dão essas condições ideais para o funcionamento saudável do mercado, também se fortalece a democracia. Isso ocorre porque não se entrega a determinados grupos um poder econômico desmesurado que poderia ser utilizado com fins políticos.
Assim, se quisermos reforçar a estabilidade econômica e consolidar nossa democracia, devemos utilizar a privatização como um instrumento de estímulo ao fortalecimento da economia de mercado, à livre iniciativa e à desconcentração da renda.
No caso das privatizações, isso seria perfeitamente possível se adotássemos o modelo inglês, mediante o qual as ações são pulverizadas entre o público. O cidadão passaria da condição de contribuinte, que antes sustentava a operação da estatal, para a de cidadão-acionista.
Neste modelo, nenhum grupo ou família sai beneficiado com a privatização. Dezenas de milhares de novos acionistas entram no negócio, desconcentrando a riqueza e contribuindo para a estabilidade social.
Isto é modernidade, em contraposição ao atraso de entregar uma estatal a oligopólios já poderosos. Lamentavelmente, o que o governo até agora fez na privatização foi vestir com uma roupagem moderna um modelo concentrador de renda que se fortaleceu durante a ditadura militar.
Já no modelo inglês, isso não ocorre. Além disso, seria extremamente difícil que a empresa recém-privatizada viesse a praticar abusos de poder econômico, mesmo numa posição dominante de mercado. Seus clientes poderiam comprar ações e impedir a prática de preços abusivos.
Os defensores do atual modelo de privatização brasileiro argumentam que não haveria por que se preocupar: aí está o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que certamente evitará abusos.
A realidade demonstra que, por mais bem intencionados que estejam os dirigentes do Cade, esse órgão ainda enfrenta enormes dificuldades para desempenhar seu papel com êxito.
Basta verificar o que ocorreu com o preço do cimento. O oligopólio que domina esse mercado no Brasil elevou o preço do produto em 23% no período de 1º de dezembro até 30 de abril -período em que o IGP-M da Fundação Getúlio Vargas oscilou apenas 4,84%.
O Cade recebeu diversas representações de entidades da construção civil que se sentiram prejudicadas. E, até agora, não conseguiu reverter esse aumento injustificado.
Fatos como esse apenas alimentam a convicção popular de que o processo de privatização não deve servir à concentração de renda. Essa convicção não tem nada a ver com o resultado das eleições de 94, mas está diretamente ligada à aspiração dos cidadãos por um país em que a livre iniciativa e a economia de mercado efetivamente conduzam ao reforço da estabilidade econômica e da democracia.
O governo ainda tem a oportunidade de rever o processo de privatizações e refazê-lo para que as ações das estatais sejam pulverizadas entre o maior número de cidadãos.

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