São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Paralelas mostram que não é o Brasil que está fora de moda

LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A julgar pelos primeiros filmes vistos em Cannes, não é o Brasil que está fora de moda. Pertencemos a um país rico em contrastes e pobre de oportunismo cinematográfico, um elo com a história perdido desde os anos 80. Senão vejamos o que passou pelas telas do festival.
O filme da Bósnia que inaugurou a legendária Quinzena dos Realizadores, "O Círculo Perfeito", de Ademir Kenovic, sem ser uma obra-prima, brinca com as emoções por entre os escombros de Sarajevo.
Sentimental, piegas, oportunista, seja o que for, é um tipo de filme que atende à chamada demanda internacional. É cruel ter isso em mente, mas as consciências limpas e protegidas do Primeiro Mundo sentem-se civilizadas com filmes que promovem auto-expiações.
Pouco se fez para acabar com a carnificina na ex-Iugoslávia. Dois irmão vagam sua orfandade miserável por todo o filme e nada mudará seus destinos. Mas basta um filme para que a alma das platéias se sinta lavada. Como se vê, o que parece faltar ao cinema brasileiro é discutir sem pudor e rodeios a sua própria miséria.
Outro filme da Quinzena, oportuno e certeiro, exibido ontem, é o britânico "Meu Filho, o Fanático", de Udayan Prasad, cineasta de origem indo-paquistanesa que sempre filma problemas de aculturação dos seus iguais na Inglaterra.
Corajoso, mais atrevido até do que a medida, ele cutuca com vara curta o fundamentalismo muçulmano. O filho de um chofer de praça vai aos poucos se enturmando com os fundamentalistas a ponto de renegar todos os traços da sociedade ocidental que o cerca, a noiva inglesa e os próprios pais.
"A Cruz", do argentino Alejandro Agresti, verborrágico, desbocado, irritante, cáustico, foi um dos primeiros da seleção Un Certain Regard. Está na seleção por seu atrevimento, é certo.
Agresti não perde tempo rebuscando estilos. Prefere acertar errando. "A Cruz" trata da via-crúcis de um velho jornalista, crítico de cinema, abandonado pela mulher, em processo violento de auto-flagelação.
Praticamente suicida-se do emprego ao apresentar ao seu editor uma crítica impublicável "contra a calhordice do novo cinema argentino". O resto do filme é uma sucessão de provocações sado-masoquistas com a platéia e o personagem sem rumo.
E mesmo a pequena mas singela produção francesa que abriu o Certain - "Marius e Jeannette", de Robert Guediguian, veio com uma firme disposição de fazer história.
Apega-se a personagens comuns, dos subúrbios operários de Marselha, gente sem a desejada presença sexual, mas com um apego à vida e um senso de resistência comoventes. Glorifica a existência de três casais de meia-idade. Faz do amor e dos problemas cotidianos uma mágica exceção. Com o estímulo garantido a cineastas independentes através das co-produções de TV por assinatura, o cinema francês atravessa a década de 90 com o prestigioso orgulho de garantir financiamentos, salas, platéias e difusão na televisão para filmes assim, considerados difíceis pelas gestões burocráticas e indolentes do resto do mundo.

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