São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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A visita da jovem senhora

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Não ouviu direito quando a anunciaram. Não conhecia nenhuma Tina, marcasse hora com a secretária que saíra para o almoço. Despachada a intrusa, ele pensou que ficara livre e poderia trabalhar na parte da tarde. De repente, ela estava diante dele. Não era Tina, era Dina.
Pensou em ficar ofendido. Ela dera um jeito de driblar a portaria e subir até sua sala. Depois -depois não, principalmente-, como estava bonita! Não se viam há quatro anos, ela quisera estudar em Lyon, tinha então 26 anos e fazia muitas coisas sabendo que nada fazia realmente.
Começara a trabalhar como modelo e figurante num programa da TV, descobriram que, além de bonita, ela podia encarar pequenos papéis. Fez algumas pontas em novelas, mas enjoou. Teve uma depressão daquelas, começou a ler Garcia Lorca, Camus, Sartre. Em termos de geração estava defasada, parecia uma jovem dos anos 50.
Combinaram ir a Lyon, ele tinha um trabalho por lá, ela iria assuntar. Duas semanas em hotéis e restaurantes, Lyon parece que tem os melhores restaurantes do mundo -e ele a apresentou a uma agência. Foi contratada na hora.
Despediram-se sem lágrimas -mas tiveram uma noite longa, sem espaço para o sono. Depois houve uma carta, ela dizia estar casada e infeliz. Iria a Paris brevemente, queria vê-lo mais uma vez, a última -garantiu. Ele não respondeu.
Agora, quatro anos depois, ela nem precisa falar para que ele compreenda: não está mais casada, embora continue infeliz. Ainda não decidiu o que vai fazer, mas deseja que ele saiba de sua disponibilidade. Então ele diz que não está disponível e já passou do tempo em que era importante ser feliz ou infeliz.
Tocam-se as mãos por cima da mesa. Depois ela vai embora. Ele a olha com atenção, para ver se ela atravessa as paredes, como os fantasmas. E, como os fantasmas, se ela voltará.

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