São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Sem Dia das Mães

ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA

"Ninguém jamais vai me mandar um cartão no Dia das Mães." É assim que a psicanalista norte-americana Jeanne Safer, 49, abre o seu livro ("Além da Maternidade", Editora Mandarim, 1997), que discute a opção por não ter filhos.
O livro, que reúne depoimentos de 50 mulheres, fora o relato pessoal de Jeanne, é uma tentativa de justificar uma escolha ainda vista com preconceito pela maioria das pessoas.
A fotógrafa Sandra Singer, uma das entrevistadas, diz que se "sente diferente em reuniões de família". "Há um certo silêncio quando as pessoas dizem: 'Ela não tem filhos'. As pessoas falam como se você tivesse uma doença fatal", diz Singer.
Em entrevista por telefone, a psicanalista, casada há 16 anos, falou sobre as dificuldades de fazer uma escolha tão decisiva.
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Revista - Há algo em comum entre as mulheres sem filhos?
Jeanne Safer - Sim. Elas valorizam muito a liberdade e estão dispostas a não seguir convenções. O relacionamento com o marido tende a ser extremamente bom, tanto que não querem mudá-lo. Muitas vezes são casadas com homens bem mais velhos ou mais novos e muitas ganham mais dinheiro que os maridos. Em geral, têm grau universitário e muitas trabalham na área artística. A maioria não é religiosa.
Revista - O seu livro começa descrevendo uma perda, você fala que não comemorará o Dia das Mães. Por quê?
Jeanne - Acredito que não ser mãe implica perdas. Perdem-se algumas experiências e certo tipo de relação. Mas quando se tem um filho, também perde-se algo. A pessoa perde de qualquer jeito. Quando você abre mão de ter alguma coisa, sempre há tristeza envolvida, não só pela perda, mas também por aceitar algumas coisas a seu respeito. Quando você está em um ambiente em que as pessoas acham que algo é a coisa mais maravilhosa do mundo (a maternidade) e você percebe que não quer fazer aquilo, você se sente "do lado de fora", excluída, o que é triste, até que você aceite a forma como é. O importante é que a decisão seja tomada de forma consciente. Todas as mulheres realmente devem pensar sobre se elas querem ter filhos e por quê. Daí qualquer escolha que ela faça é dela e não um acidente.
Revista - O "instinto maternal" existe?
Jeanne - Não. Se existisse, não precisaríamos encorajar as pessoas a engravidar. Temos o instinto de tirar as mãos de cima de um forno quente, mas não de engravidar. Acredito que temos um potencial biológico para ser mãe. Fora isso, há um estado psicológico, que faz com que queiramos ou não realizar esse potencial. A "necessidade" de ter filhos não é biológica. Menstruar não é uma decisão. O que você faz com o seu útero, é.
(AOA)

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