São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 1997
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Não perder o foco

LUÍS NASSIF

Os processos de reestruturação -de pessoas, empresas e países- seguem o mesmo roteiro clássico.
A parte mais difícil é a tomada de consciência sobre a necessidade de mudanças. Segue-se o aprendizado, o diagnóstico claro do problema e a definição das saídas. Completado o ciclo da convicção, entra-se na fase da ação.
Essa fase encerra algumas armadilhas que devem ser evitadas. A maior delas é a sensação precoce de vitória.
Em geral, com os primeiros passos da reestruturação, obtém-se resultados animadores. Comprova-se a possibilidade de vencer a inércia e percebem-se os primeiros frutos do trabalho.
Depois de anos de batalhas duras, o primeiro impulso é parar para descansar e para curtir o novo momento. É como o nadador que percorre vários quilômetros em rio caudaloso e decide descansar a poucos metros da chegada.
Aí reside o perigo. A correnteza afasta o nadador novamente da margem, perde-se o foco da questão, o ritmo da reestruturação e tende-se a patinar no vazio. Quando voltam os problemas, o desânimo passa a ser redobrado, devido à fantasia anterior de achar que a fase de crise tinha sido superada.
Processo interminável
De certo modo, é o que vem ocorrendo com o Brasil nesse interminável processo de modernização que se iniciou em 1990.
Depois de cada fase de euforia com as mudanças, seguem-se fases de depressão, com novos problemas, e novas fases de euforia, quando se percebe que, nesse ritmo de dois passos para a frente e um para trás, sempre resta o saldo de um passo à frente.
A questão essencial é que, neste momento, o país corre contra o relógio. As loucuras cometidas na área pública com Itamar, na área externa durante os seis primeiros meses do Real, na dívida interna, pelos seis meses seguintes, mais a deterioração das contas estaduais com o fim da inflação exigem medidas de urgência. Não apenas pela situação atual, mas pelo cenário a médio prazo.
Há incertezas no "front" externo, com as taxas de juros americanas. Incertezas de monta, com a tendência de déficit nas contas correntes. Mais: vive-se, nesse momento, o apogeu de um processo que não é eterno -o da enorme oferta de recursos internacionais para o país.
O Brasil perdeu a grande onda dos anos 80. Atrasou demais suas reformas. Tem a possibilidade, agora, de se beneficiar da nova onda de reciclagem do capital internacional. Não pode -sob pena de comprometer seu futuro- perder o bonde atual.
Não se trata de questão de governo, mas de país. É uma obrigação que pesa sobre todos os setores que têm poder e responsabilidade: Executivo, oposição, Legislativo, Judiciário, imprensa, empresas e sindicatos.
Reformas e denúncias
A pior coisa que poderia acontecer com o país e o governo seria exigir que a imprensa abra mão de sua função de denunciar mazelas de governantes em nome da estabilidade. Esse é o caminho mais fácil para governos se acomodarem, se fossilizarem e para práticas perniciosas se consolidarem no plano político.
A segunda pior coisa seria o fato de as denúncias da compra de votos, de alguma maneira, levarem o país a perder o foco da questão: a aceleração das reformas, visando aproveitar o máximo possível esse momento.
O Brasil tem de demonstrar que amadureceu a ponto de não deixar denúncias sem respostas, mas não pode permitir que denúncias paralisem o processo de desenvolvimento.
Trata-se de um compromisso da nossa geração, em relação a todas as gerações que nos sucederem.

Email: lnassif@uol.com.br

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