São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 1997
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Com Ono, até mesmo Deus é possível

DIONISIO NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Kazuo-Yoshito é o Leonardo da Vinci do Oriente.
Mas não há mais Oriente. Nem Ocidente. Nem Tudo-Nada, Céu-Inferno, Dia-Noite, Homem-Mulher, Felicidade-Tristeza, Morte-Nascimento. Não há Brasil. Nem Brasis. Não há mais Leonardo Da Vinci. Não há Yoshito-Kazuo.
Há os caminhos, aos zilhões. Tendoh Chido. Caminho no Céu, Caminho na Terra.
A experiência de Kazuo-Yoshito deveria estar no Maracanã para multidões. E ser transmitida ao vivo no horário nobre de domingo. Em cadeia internacional. Oscar. Ali, tudo se apaga-acende. Meus adjetivos estão em crise.
Entra Yoshito-papel, dos fundos (costas), e traz o passado-tradição em seu quimono para o palco. William-Hamlet diz do silêncio que resta em alguns berros que chamam lá de dentro, e uma música pop japonesa trilha sonora de puteiro vai ganhando espaço com as tosses que vão calando.
Tudo vai calando. Yoshito-Religião. Primeiro verão. No palco - nada. Vazio-Yoshito-papel. Agora só três tosses.
Vazio-Kazuo-lavrador-cósmico. Corpo-adolescente. Kazuo-menino-menina tem quatorze anos. Empurra o ar sem força. Cada gesto é um furacão doce. As tosses-vírus-doenças voltam para os moveres de Kazuo.
Todas as guerras estão ali, os maremotos, vulcões, galáxias estão em cada unha do corpo adolescente-90 de Kazuo-sexo. Trepamos todos com ele, em primeiras ejaculações. Descobertas ali. Kazuo-Colombo. Todos os beijos de língua estão ali. Proibições-tabus são desamarrados por Kazuo-sem-terra.
Vazio. Azul preenchendo o palco. Na minha cabeça milhares de pensamentos de coisas que eu tinha esquecido. A platéia é um corpo só. Não se ouvem respirações. Não há nada em cena. Vazio total. E Kazuo-trabalhador da Terra ali. Em vultos. Corpo-cósmico fulgurante. Todos os adjetivos vão ficando ridículos. Respiro.
Um monge surge, como tudo, do Nada. Some. Tudo surge e some. A situação política do país vem à minha cabeça não sei como e nem o porquê. Yoshito-alma de marinheiro-michê surge do nada. Ele já estava ali? Saiu dali? Yoshito-visceral-doce com cabeça decepada. Filho-90 de Kazuo. O Pai-Mãe.
Não existem certezas com Kazuo-universos. New-age 80 ganha a cena. Yoshito-neve-lua-flor. Ali minha mente corpo já estava totalmente entregue. Platéia una-Ohno. Milhares de imagens surgiam e desapareciam em Yoshito-Homem-Ordem.
Aqui estou totalmente perdido. Há nós tempo-espaciais em mim. Borges visita Yoshito-Jorge Luís Borges. Tropas japonesas inteiras visitam o palco vazio. E tudo permanece em mutação eterna. 59, 71, 45, 22, século 2 a.C....
Kazuo-neve-lua-flor. Toda a história cristã vem num canto gregoriano óbvio. Kazuo de olhos bem abertos. Um monge nos fundos e vazio. Nada é óbvio. Yoshito-alma de marinheiro americano vai e volta do nada para o nada.
Todas as palavras vão ficando pequenas e dando espaço para Kazuo-Ciência-Yoshito.
E foi neste vácuo que meu corpo foi arrepio e meus olhos-cachoeira pura lágrima. E de toda a platéia lotada contemplando Kazuo-no pura lágrima.
E de toda a platéia lotada contemplando Kazuo-no aniversário da morte de nossos pais-caminhando sobre uma ponte entre íris e flor, numa jornada onde o tempo parecia parar, para que um caminho qualquer de poesia pura viesse no corpo de Kazuo-mulher, vestida de luto com uma flor gigantescamente vermelha sobre seu chapéu de cinema-mudo. Kazuo-sexo-cósmico. Kazuo-prostituta-sagrada.
E permanece.
A platéia em urros-tapete-vermelho-sexo para Kazuo-Yoshito-Elvis agradecer. Kazuo-homem-humano desce do pedestal, vem até os mortais oferecer seu corpo. Risos da platéia para Kazuo-risos-choros-Elvis, contemplando a invasão americana pós-Hiroshima. Mas só a poesia dela. Só a Poesia.
E vieram todos ali, em alma, escoltados por Elvis-Andy-Warhol-Duchamp-Hendrix-Oiticica-Science gargalhar do que poderia ser piegas. Pelo momento, pela idade e pela música em si. Não foi.
Até nisso Kazuo-mortal foi além. E ele não está nem aí. Kazuo-Oscar. Yoshito-filho, fazendo referências ao mestre, em imagens-sensações que continuarão com todos os que estavam lá.
Platéia-sorrisos-choros em flor vermelha de Kazuo-Yoshito-Arte.
Kazuo-mundana-cósmica.
E se a questão é o amor, love will tear us apart -again.
Daqui em diante tudo será repensado. Um banho intenso de puro lirismo caiu sobre nós. E até mesmo Deus é possível.
Mas não há mais aqui, nem pensamento, nem lirismo, e nem o nem-nunca de nós.
Just falling in love again.
Mas não é nada disso.
Falling in love-Kazuo-Yoshito (sexo)-again (ad infinitum).

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