São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 1997
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Quanto tempo há de durar a jaqueira da Almerinda?

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Já falei muito no bar da dona Almerinda, em Parati. Uma quase ilha espremida entre a mata e o morro e um marzão de se perder de vista. O nome das especialidades era escrito numa pedra enorme lambida pelo mar. Havia um puxado de bambu coberto de sapê, cadeiras e mesas toscas de madeira. Tudo embaixo de uma jaqueira centenária. Há um ano e meio não vínhamos aqui.
Aumentaram o telhado do bar e com isso tamparam a jaqueira, mas não de todo. Sobrou um galho com duas jacas que um holandês sentado no bar, tomando caipirinha, classifica de "durian", "jackfruit", durian?
O genro de Almerinda, gentil, colhe uma das frutas que está madura e nos oferece em travessa branca com os gomos mornos de sol. Pedimos gelo, jogamos por cima e oferecemos à mesa do holandês, que polidamente devolve o presente depois de provar um gomo muito a contragosto e oferecer a travessa aos amigos da própria mesa inúmeras vezes. Pode não ser um durian, mas cheira mal como um durian, é a conclusão dele.
Almerinda afinal aparece, lavadinha, cabelo molhado e diz que está cansada do dia anterior quando receberam para jantar, à luz do luar, 130 franceses.
Puseram as cadeiras de plástico à beira d'água, cobriram as mesas com folhas de bananeira, acenderam tochas. O menu, o menu fazia a própria Almerinda estourar de orgulho.
Fez salada tropical dentro de abacaxis escavados com maçãs e uvas, o próprio abacaxi e maionese. E mais salada de repolho com leite condensado, não, creme de leite, corrige-se ela. E os franceses não deixaram migalha!
No menu colorido, de todo dia, há pratos como o peixe encantado, arroz à grega, peixe, beterraba, cenoura, maioneses, batatas sautées e alcaparras. E mais a salada tropical.
O genro de Almerinda está encantado com o alho-poró ou alho-porro que ele pronuncia diferente. Eles são curiosos, querem aprender, suspeitam que ali bem na curva tem ouro.
A verdade é que a praia de Almerinda está escorregando vertiginosamente para o Havaí e ilha de "Caras" com ombreloni de sapê, para os Alpes com três casinhas pré-construídas com telhado de neve e para o Vietnã com o barulho incessante de helicópteros.
Mas que idéia, Almerinda. Não faça isso! De onde veio todo este trópico? Salsa e merengue? Do agente de viagem? Dona Almerinda, a senhora está podando as aroeiras? E cadê o pirão, a sororoca e o caranguejo? Sem creme de leite ou leite condensado, Almerinda, pelo amor de Deus! Estou desacorçoada, deprimida, odeio o zoar dos helicópteros e jet-skis, sinto cheiro de apocalipse já.
Vamos embora com uma tarde de santinho de Espírito Santo, com aquele resplendor do céu, os fachos de luz saindo por detrás das nuvens. Choro nossa burrice turística e minha filha, companheira de viagem, me bota no meu lugar. "Pare com isso, mãe, você quer ser o Sig Bergamin da Almerinda e dos bares do litoral? Vai cuidar de sua vida..."
É mesmo o melhor.

E-mail ninahort@sanet.com.br

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