São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 1997
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França perde 1,3 milhão de telespectadores

ODILE BENYAHIA-KOUIDER
EMMANUEL PONCET

ODILE BENYAHIA-KOUIDER; EMMANUEL PONCET
DO "LIBÉRATION"

Há algumas semanas, uma leve onda de pânico parece ter atingido os anunciantes, os publicitários e também os programadores dos canais de TV. Afinal, o que está acontecendo?
Os indicadores do instituto que calcula a audiência dos diferentes meios de comunicação na França (Médiamétrie) revelam uma queda de audiência na televisão de 2,8%, particularmente no primeiro trimestre deste ano.
Convocada por seus anunciantes, a central de compra de espaço publicitário (Carat) se debruçou com urgência sobre o fenômeno e chegou a um resultado parecido.
"É a maior queda registrada desde 1992, na época da Guerra do Golfo", resume René Saal, diretor-geral da Carat TV, a sociedade de estudos da Carat.
Em termos concretos, isso equivale, em audiência média acumulada, ao desaparecimento puro e simples de 1,3 milhão de telespectadores (de 4 anos ou mais), em relação ao mesmo período de 1996.
O mundinho da mídia está se torturando para tentar explicar a deserção sem aviso prévio de tantos "alvos" publicitários.
Essa indiferença brutal se fez sentir sobretudo em fevereiro (-4,1% em relação ao mesmo mês de 1996) e em março (-7%).
Não se trata, porém, de um fenômeno apenas francês. A Espanha (-4,4%), a Itália (-4,6%), o Reino Unido (-2%) e Portugal (-5,2%) também estão vendo uma fatia de sua audiência debandar.
Poderíamos identificar nesse fenômeno uma onda de decepção com a TV na Europa? Sem ir tão longe, podemos, ao menos, tentar extrair o perfil desse desertor televisivo da primavera de 1997.
Quem desertou?
"Essa baixa atingiu sobretudo o que chamamos de pequenos consumidores de TV", explica René Saal. "São pessoas que tradicionalmente assistem a menos televisão que outras."
Encontramos esses "pequenos consumidores" em duas categorias bem precisas da população: os indivíduos entre 15 e 24 anos e os "CSP+" (categorias sócioprofissionais mais elevadas, no jargão dos especialistas em mídia).
Para esses dois grupos, o tempo que uma pessoa assiste à TV teve, respectivamente, uma queda de 3,8% e 7% no primeiro trimestre. Mas nem por isso outras camadas sociais da população escaparam do fenômeno: a dona-de-casa de menos de 50 anos, a vaca sagrada do programador de TV, diminuiu o tempo que passa diante do aparelho em 1,8%.
Apesar de tudo, resta aos anunciantes algum otimismo: a audiência dos telespectadores entre 4 e 10 anos, um bom filão para a publicidade, aumentou 5,1%.
Culpa da estação do ano?
Um dos fatores que podem explicar essa baixa é a estação do ano. Com efeito, a audiência sempre cai na primavera. Como o início de 97 foi particularmente ameno, seguindo essa lógica, os consumidores de TV deveriam ter deixado de assisti-la, antecipando assim a tradicional baixa de primavera. Mas o bom tempo não explica tudo.
Culpa dos novos canais?
Ainda neste caso, o argumento é pouco convincente. Mesmo que esteja havendo uma explosão de canais temáticos nas TVs pagas, a fatia de mercado que eles representam na audiência global ainda é bem marginal. Passou de 3,2% em 96 para 3,6% em 97.
O desinteresse pelas emissoras convencionais ainda está longe de acontecer. Mas o sucesso dos canais pagos prova de modo bem claro que alguns telespectadores mais críticos já não se satisfazem só com o que os canais convencionais oferecem.
Segundo René Saal, o telespectador passa mais tempo diante dessas outras TVs. O número de novos adeptos do cabo e do satélite, porém, não é o único fator.
Falta de ousadia
A competição entre os canais de TV já não funciona mais. Quando a TF1 e a France 2 programam filmes do mesmo tipo (ação, amor etc.), a audiência global é afetada. Quando, no entanto, a programação é alterada, a telinha atrai mais telespectadores.
Mais exigente, o público não se contenta em ver reprises: "E o Vento Levou" foi um fiasco na France 3. Nas duas grandes TVs da França (TF1 e France 3), as exibições da noite de terça são testemunhas, desde de janeiro deste ano, de um claro recuo de audiência (-5,9%), simplesmente porque esses canais reservam seus melhores filmes inéditos para domingo à noite.
Os canais de TV que sabem arriscar em suas programações são quase sempre recompensados. A transmissão, pela France 2, da série "Plantão Médico" (chamado na França de "Urgences") em horário nobre foi um verdadeiro sucesso.
A M6 foi a primeira a programar várias séries de 52 minutos sem interrupção quando a moda eram séries de 90 minutos.
Mas será que a M6 não está correndo o risco de queimar seu cartucho ao transmitir sábado à noite três episódios da série norte-americana "Arquivo X", enquanto nos EUA é exibido apenas um por semana?
Além disso, a televisão fatura com os acontecimentos. A chegada do primeiro navegador do Vendée Globe fez a audiência da France 3 estourar em plena manhã. "O telespectador não aguenta mais a uniformização", reconhece Patrice Duhamel, diretor de programação da France 3. "Ele zapeia logo que percebe que um programa está se arrastando."
Quando a TV se esquece de que é um meio quente, o público se aborrece. "L'Or à l'Appel" e "Studio Gabriel" são programas realizados ao vivo, mas a falta de surpresa dá a sensação de que se trata de uma TV em conserva.
Resultado: 618 mil telespectadores (-5,4%) abandonaram a programação das 18h às 20h no primeiro trimestre deste ano.
A lição talvez pudesse servir a dois programas consagrados que estão naufragando nos horários das 12h30 às 13h30 e das 20h às 21h. Um milhão de telespectadores faz outra coisa na hora dos telejornais. Estranho, não? No entanto, uma boa parte dos franceses continua almoçando e jantando no mesmo horário.
Será que os telejornais não acabaram desprezando demais a atualidade ao se voltarem para as reportagens "frias"? Pura suposição. Certamente dirão que a imprensa escrita quer abocanhar os filões do mercado publicitário da televisão.

Tradução Lilian Escorel

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