São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
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Ulisses e as sereias

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Continuo resistindo ao apelo dos internautas que me desejam navegando no universo virtual, no qual posso conversar com milhões de pessoas, ler milhões de livros, conhecer milhões de museus e receber quentíssimas informações sobre a cotação da juta na Bolsa de Hong Kong.
Os argumentos são tentadores. Eu poderia conversar com o presidente Clinton, bater um papinho com ele; bastaria acessá-lo pelo e-mail. Ele também poderia conversar comigo, saber como vão as coisas para meu lado, como anda minha saúde etc. Não acredito que ele tenha interesse nisso. De minha parte, Deus é testemunha de que nada tenho a falar com ele.
Ultimamente, me deram argumento bem mais interessante. As páginas mais frequentadas da Internet -segundo me garantiram- são as relativas a sexo. Mulheres deslumbrantes, as melhores do mundo, fazendo caras, bocas e bundas, estão à minha espera.
Admito que o argumento me balançou. Perguntei se essas mulheres virtuais podiam sair da tela, aparecer em carne e osso, nas três dimensões de praxe, para o competente serviço.
Nada disso. Elas me deixariam literalmente na mão. Ora, sou de uma geração que se entusiasmou com os livrinhos do Carlos Zéfiro, malfeitos, desenhos toscos, de uma luxúria desolante.
As sereias eletrônicas são melhores do que as faxineiras do Zéfiro -que abasteceram toda uma geração pré-Internet. O canto delas é mais sedutor. Teria de me amarrar na jangada, como Ulisses, para não me atirar nas águas onde deslizam seus corpos monumentais.
Prometi pensar no assunto. Acredito na rapidez e eficiência dos avanços tecnológicos. Vou esperar que a oferta seja mais concreta. Prometo que não me amarrarei como Ulisses. Pelo contrário. Apenas tomarei cuidado para não errar de canal e, em vez de uma sereia, me aparecer um golfinho. Não faço o gênero.

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