São Paulo, terça-feira, 10 de junho de 1997 |
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Os megahomens e a glorificação da riqueza
MARILENE FELINTO
A vitória do atleta se confunde com o prêmio que ele ganhou. A glória da técnica, da forma física ou da inteligência equivale à soma em dinheiro, ao status de novo milionário. Logo Kuerten terá virado garoto propaganda de comerciais de tênis, bancos e imóveis. A imagem de um jovem Kuerten agradecendo em inglês o prêmio para o público de Roland Garros (enquanto o espanhol Sergi Bruguera falou em francês) é bastante representativa dessa geração do Brasil-América de um sonho dolarizado. O humanismo francês e nossos laços naturais com o idioma da França ficaram obsoletos ainda em meados dos anos 70, quando, para nós, então alunos de 5ª série, francês tornou-se língua opcional no currículo. Optamos por inglês. Setenta milhões de dólares (US$ 70 mi) é o valor que teria de ser pago por qualquer clube de futebol que quisesse, há um mês, tirar do Barcelona da Espanha o atacante brasileiro Ronaldinho. O "megasalário" anual do jogador seria de US$ 3,5 milhões. Três bilhões e duzentos milhões de reais (R$ 3,2 bi) foi o valor do cheque (o maior da história do país) assinado pelo "megaempresário" Benjamin Steinbruch, pela compra da Vale do Rio Doce. Steinbruch, 43, passou a ser chamado de "o homem de US$ 10 bi" e virou alegre capa de revista, ao lado de sua mulher e seus filhinhos bem vestidos e alimentados. Todos esses números são, ou foram, bombardeados pela imprensa em doses de lavagem cerebral. Então, como mostrar a seu filho de dez anos que esse desbragado culto à personalidade do dinheiro (chame-se Bill Gates, o falecido Senna ou Steven Spielberg) é uma ilusão? Como provar a seu filho de dez anos que você, aos 40, por não ganhar o salário de um Steinbruch da vida, não é um imbecil fracassado? Como mostrar a perversidade dessa inversão de valores a seu filho de dez anos, que diz que só vale a pena trabalhar se for por um salário-Ronaldinho, um salário-Kuerten, um salário de megahomem? Num socialismo rasteiro, pedi que ele comparasse o salário de sua professora de português -R$ 300 mensais numa escola municipal de São Paulo- com o de Ronaldinho. "É justo?" Ele pensou rápido: "Não, aí, não. Por que não dividem o salário dele com mais gente?". Ele gosta da professora: "essa professora eu acho boa", comentou outro dia. "Toda aula ela escreve uma frase na lousa, de um escritor, que é para a gente pensar sobre a frase. Uma vez foi uma desse cara aí, que você está lendo." O cara aí era Schopenhauer. A professora sem salário é como você ou eu, você que é nada, filho de ninguém, neto de ninguém, sem direito a nada e a ninguém -nem mesmo a ser amado!- quanto mais a ser celebrado, glorificado feito um diamante. Um meganada. E-mailmfelinto@uol.com.br Texto Anterior: Esgoto 'ilegal' pode ser causa Próximo Texto: Assembléia ouve vítimas de explosão na 5ª Índice |
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