São Paulo, terça-feira, 10 de junho de 1997
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Sobreviventes dos 80

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Pouco se ouve falar do trio underground norte-americano Yo La Tengo, que acaba de lançar (lá fora) "I Can Hear the Heart Beating As One". Mas, concebendo álbuns pop desde 1986, a banda é representante da fatia mais criativa do pop/rock desde os anos 80.
Filiada à categoria de pop elegante praticada também por grupos como The Jesus & Mary Chain, Sonic Youth e Pixies, dialoga diretamente -como elas- com a banda das bandas de "art pop": o Velvet Underground (1965-1970).
Citação obrigatória quando se fala do Yo La Tengo -que interpretou o Velvet no filme "I Shot Andy Warhol"-, a banda de Lou Reed e John Cale é sombra de todo e qualquer acorde gravado no novo CD do Yo La Tengo.
Em "Moby Octopad", por exemplo, Georgia Hubley decalca minuciosamente os procedimentos vocais de Nico -gélida artista alemã que o artista-empresário Andy Warhol impôs ao Velvet em seu primeiro disco-, mixando-os aos de Mo Tucker, a baterista (e eventual cantora) do Velvet.
Sim, trata-se de saudosismo, mas este CD vem trazer surpresa aos já acostumados à saudade do Yo La Tengo. Pois não é a síndrome de Velvet que orienta sua existência, provavelmente pela primeira vez na carreira da banda.
"I Can Hear the Heart Beating As One" é o primeiro álbum-tributo extensivo ao rock e ao pop dos anos 80 de que se tem notícia.
Programáticas, as 16 faixas se esmeram em soar como se fossem de bandas-chave dos 80 -sempre traduzindo-as à contemporaneidade dos 90 (que passa, necessariamente, pelo velho Velvet).
Aos exemplos. O intróito "Return to Hot Chicken" é uma peça instrumental como só o Joy Division -banda inaugural do pop dos 80 e outra das obsessões do Yo La Tengo- poderia fazer. Aí já se entende: a década de 80 começou.
Vêm em seguida "Moby Octopad", exemplar aproximável à fase menos brava do Sonic Youth, e "Sugarcube", que, além de citar nominalmente a ex-banda de Bjõrk, parafraseia o velho rock de viagem do Cure, com algumas pitadas de Pixies.
Soporífera, "Damage" oscila entre Cocteau Twins e Prefab Sprout. Abre alas para a barulheira de "Deeper into Movies", na confluência entre Joy Division, o primeiro Sonic Youth e os primeiros Smiths.
"Shadows" parte de um Jesus & Mary Chain cândido e sem distorção e chega aos trinados tranquilos dos Cowboy Junkies. "Stockholm Syndrome" pirateia com volúpia "Victoria" (86), do Fall, quase morrendo de suavidade e reverência. Uau!
Eletronizada, "Autumn Sweater" recolhe o melhor do tecnopop oitentista -New Order, Soft Cell, Eurythmics, Depeche Mode-, relativizando-o com elementos à Echo & The Bunnymen e devolvendo-lhe sentidos que pareciam para sempre perdidos. Uau!
A banda que já regravara "A House's Not a Motel" (68), balada psicodélica do Love, reverencia agora os Beach Boys, remodelando "Little Honda" (64) tal e qual um noise-rock do Jesus & Mary Chain (com "I'm Waiting for the Man", do Velvet, lá no fundo).
Até o Brasil entra na roda (acredite), via a new-bossa nova de Style Council e Everything But the Girl, transformada em ouro em "Center of Gravity" (que Nara Leão e Astrud Gilberto poderiam ter gravado nos 60). Uau!
O lado negro só aparece no experimentalismo babaca de "Spec Bebop" (é, nos 80 também houve Laurie Anderson), mas é só uma centelha. "My Little Corner of the World" restabelece o ritmo e encerra o disco em clave entre Blondie e Tom Tom Club (ou Talking Heads em seus primórdios). Uau!
O recado é claro: tida como retrógrada nestes 90, a década passada já está em vias de se tornar objeto de culto. O que Yo La Tengo tem a declarar é que, mesmo datados, os procedimentos de seus colegas de antes podem cair sob medida aos 90, desde que adaptados e tratados com seriedade.

Disco: I Can Hear the Heart Beating As One
Banda: Yo La Tengo
Lançamento: Matador (importado)
Quanto: R$ 21
Onde encontrar: Bizarre (tel. 011/220-7933)

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