São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 1997
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Indústria mais competitiva?

CELSO PINTO

Nos últimos meses, pela primeira vez desde o início do Plano Real, a variação anual da inflação, medida pelo custo de vida, ficou um pouco abaixo da variação da inflação medida pelos preços do atacado. Parece algo exotérico, mas é um fenômeno da maior importância, com repercussões econômicas e até políticas.
O encontro desses índices significa que os preços não sujeitos à competição externa (incluindo salários), que dispararam depois do Plano Real, finalmente se aproximaram dos preços sujeitos à competição (especialmente os industriais).
O secretário de Política Econômica da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros, chama a atenção para o lado positivo: esse encontro de preços estanca a perda de competitividade na produção de bens para exportação. Pode-se também, contudo, montar um argumento olhando o lado oposto: acabou-se a fase de aumentos acelerados de salários, se medidos em dólares ou em poder de compra de produtos industriais.
Desde o início do Plano Real até o final do ano passado, os salários (custo unitário de trabalho), medidos em dólares, chegaram a crescer 40%. Hoje, os ganhos caíram para 30%. É claro que seria impossível esperar ganhos adicionais na mesma velocidade, mas também é claro que esta nova situação tende a diminuir o entusiasmo político pelo Real.
O que aconteceu depois do Real era previsível. Em planos de estabilização com queda brusca de preços e apoiados no câmbio, é natural esperar um aumento de demanda, que puxa especialmente os preços dos produtos sem competição externa, como os vários serviços (de médicos a restaurantes). Para os bens sujeitos à competição externa, ao contrário, a concorrência dos importados fica redobrada, porque o câmbio torna seus preços mais baratos.
Os salários, nesse período, foram beneficiados pelo fim da inflação e pelo aumento da demanda. Medidos em dólares, eles deram um salto, o que quer dizer que puderam comprar mais importados.
Como os acordos salariais, especialmente no início do Plano Real, repunham integralmente a inflação passada, e ela refletia mais os serviços do que os produtos industriais, isso significou que os preços dos produtos industriais, medidos em salários, ficaram relativamente mais baratos. (Da mesma forma, pode-se argumentar que o câmbio, ao acompanhar a inflação, não refletia integralmente o aumento dos custos industriais.)
Para as indústrias, isso significou um aumento real de custos (via salários), especialmente em dólares, difícil de repassar nos preços. Em consequência, produzir para exportar ficou menos atraente e competitivo.
É essa situação que começou a mudar, argumenta Mendonça de Barros num trabalho que acabou de concluir. Na Argentina, a trajetória foi idêntica: depois dos primeiros anos de estabilização, os preços dos serviços acabaram convergindo com os preços industriais. Mais recentemente, passou a ocorrer o fenômeno oposto: os preços industriais passaram a subir mais rapidamente do que os preços gerais. Ou seja, aumentou a rentabilidade da indústria.
No Brasil, a rentabilidade da indústria medida pela variação dos preços por atacado em relação ao custo unitário de trabalho, chegou a cair até 30% desde o início do Plano Real até fevereiro do ano passado. Hoje, a perda foi reduzida a 20%, e a tendência é continuar a redução.
Isso não quer dizer que as perdas passadas sumiram. As empresas tentaram compensá-las investindo em tecnologia poupadora de mão-de-obra e usando mais importações baratas. Esse impulso pode ser reduzido com o fim das perdas.
De forma geral, ele acha que as empresas reagiram à abertura externa, globalização, estabilização e privatização, em três etapas. Começaram cortando custos (91-93), passaram a investir em máquinas e equipamentos para elevar a produtividade (94-96) e, desde o ano passado, teriam começado a investir em novas plantas.
Sua expectativa é que os novos investimentos, que ainda não apareceram nas estatísticas, se materializem. E, principalmente, que o comportamento dos preços sinalize uma maior atratividade das exportações (sem precisar mexer no câmbio). É uma aposta e tanto.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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