São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 1997
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Corpo se forma e se deforma nas artes de "Babel"

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Mesmo quando distante de performances de drag queens, shows de música eletrônica ou DJs modernos, o projeto "Babel", que se realiza em Pinheiros, é um corpo barulhento que sobrevive, principalmente por meio das artes plásticas, que, mesmo silenciosas, perturbam o espectador em todos os seus sentidos.
"Babel" pode parecer um grande parque de diversões às vésperas do apocalipse -com direito às mais bizarras manifestações artísticas-, mas o que proporciona não é o fim da vida, mas, como seu próprio nome já indica, a fragmentação e, por vezes, a impossibilidade do discurso, tendo o corpo como gramática artística.
Nesse contexto, a presença da artista plástica francesa Orlan é a mais paradigmática. Seus vídeos "Operação Bem Sucedida 2" e "Operação Bem Sucedida & Onipresença", gravações de suas "cirurgias-performances", transformam um evento privado -a cirurgia- em um acontecimento público.
Originalmente transmitidas simultaneamente para diversos lugares, as performances de Orlan dão à sua arte um caráter de onipresença pela mídia.
Mesmo dilacerada em uma mesa de operações, com sua dor sendo sublimada pelas anestesias, Orlan coloca seu corpo como um manifesto contra a apatia da arte. Mas não se trata de penitência ou flagelação. Orlan trata o corpo como um "ready-made", um objeto de discussão artística.
As práticas cirúrgicas também são mote para o trabalho de Nazareth Pacheco, que, na mais minimalista das instalações do evento, cobriu três paredes de sua sala com réplicas em plástico de um único instrumento cirúrgico em metal, usado na imobilização e observação do corpo do paciente.
Perto delas, o desconforto proposto por Del Pillar Sallum -apresentado ali em oito fotografias e um vídeo que retratam seu processo de trabalho- soa pouco consistente. Melhor seria apresentar suas esculturas em fios de cobre, que reproduzem angustiadas formas orgânicas de seu corpo.
Uma angústia que atravessa o trabalho "O Banho", de Franz Manata (com fotografia de Alan Rodrigues): dez homens nus que, alienados do corpo social, apenas aguardam, no fundo do lava-carros.
Adrianne Gallinari também fez sua opção pelo corpo enquanto recipiente da memória, dialogando com os painéis fotográficos de Nina Moraes. Gallinari cobriu as paredes com desenhos de escritos e corpos fragmentados, com suas vísceras e paixões à mostra, ocupando bem as pequenas salas-celas disponíveis.

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