São Paulo, sábado, 12 de julho de 1997
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Justiça e habitação

FÁBIO BITTENCOURT DA ROSA

A Folha de 13/6 estampou artigo do ex-ministro Mailson da Nóbrega intitulado "A Justiça e a revolução do crédito imobiliário". Uma apreciação inoportuna e infeliz do economista. Não foi o Judiciário que inviabilizou o SFH.
O que ocorreu é de clareza meridiana. Havia uma grande dificuldade de compatibilizar o ganho de investimento do agente financiador e a capacidade de pagar dos financiados. Jamais o saldo devedor poderia ser atualizado simplesmente pelos mesmos índices dos aumentos salariais, mas por juros que estimulassem a captação de dinheiro no mercado.
Como o financiado não poderia pagar o que não ganhava, limitou-se a prestação a subir de acordo com os reajustes do salário. Ao fim do financiamento, porém, sempre sobraria saldo a pagar, porque a atualização do saldo era muito maior que a da prestação.
Primeiro, o poder público bancou o prejuízo, pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais. Quando o governo percebeu que tinha que extinguir o FCVS, deixou o financiado escravo da própria sorte.
Quem conseguia suportar os reajustes das prestações chegava ao fim do contrato devendo, muitas vezes, o dobro do valor financiado. E lá haveria de repactuar o débito por longos anos.
No momento em que se decidiu reajustar as prestações pelo mesmo critério do saldo, ou seja, pela remuneração da caderneta de poupança, o desastre foi maior, porque quase ninguém suportou as prestações, marcadamente sob o Real, que impôs um arrocho salarial sem precedentes.
O problema, então, é quase insolúvel. Nenhum banco financiará compra de imóvel para remunerar o capital investido no financiamento pelo simples critério de reajuste salarial.
Agora, apregoa-se que o Sistema Financeiro Imobiliário salvará o sistema. Ledo engano.
O capital a ser investido virá do exterior e de fundos de entidades privadas. E a que juros emprestarão? Por algum que se compatibilize com os reajustes salariais?
O estímulo, todavia, para o financiador, conforme lembrou o articulista, é que a garantia não é mais a hipoteca, mas a alienação fiduciária. Quer dizer, será mais fácil e mais rápido tirar o imóvel do financiado que não consegue pagar. O credor retomará o imóvel, e o mutuário perderá tudo o que conseguiu pagar.
Essa prática, entretanto, vem sendo coibida pelo Judiciário, que não permite a exploração da população. Entende o STJ que, se o financiado perder a capacidade de seguir pagando o financiamento, terá direito à devolução do que já pagou, com atualização.
É esse tipo de Judiciário, esse tipo de Estado, esse tipo de homem público, essa espécie de consciência social que atrapalham os planos da iniciativa privada e motivam as críticas dos liberais, postos a seu serviço.
Desse modo, culpar o Judiciário pela falência do SFH, depreciando o poder e submetendo-o à execração pública, só se justifica por quem tem o interesse em desmontar o Estado.
Sem um Executivo que crie a melhor opção política, sem um Legislativo que marque a legislação sobre as reais necessidades da nação e sem um Judiciário que garanta que nenhum dos poderes terá supremacia sobre o outro, todos ficaremos à deriva, inseguros diante do ataque do mais forte.

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