São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Itália suspeita que dinheiro veio de negócio com máfia

LUCAS FIGUEIREDO
DO ENVIADO ESPECIAL

Duas coincidências fazem com que a Justiça da Itália suspeite que negócios realizados entre o tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor de Mello e a máfia italiana sejam a origem dos US$ 5 milhões sacados de uma conta de Paulo César Farias em Montevidéu, no Uruguai, em setembro de 92.
Segundo apurou a Folha junto a autoridades argentinas, as coincidências foram usadas como argumento pelos investigadores italianos para pedir ao Judiciário da Argentina que convocasse Ricca, que mora em Buenos Aires, para um depoimento.
As coincidências são as seguintes:
1. A conta de Montevidéu da qual o empresário alagoano mandou sacar os US$$ 5 milhões era do Hollandsh Bank Unie.
Outra conta de PC no mesmo banco -aberta em uma agência de Roterdã, na Holanda- recebeu em 1993 depósitos no valor de US$ 2 milhões do operador financeiro italiano Angelo Zanetti, identificado pela polícia da Itália como administrador de uma rede de narcotráfico internacional organizada pela máfia da Calábria (região ao sul da Itália);
2. As duas contas no Hollandsh Bank Unie -de Montevidéu e Roterdã- tinham os mesmos titulares: os argentinos Jorge Osvaldo La Salvia e Luis Felipe Ricca.
Codinomes
Em Montevidéu, a Folha obteve informações sobre as duas contas junto a funcionários da agência do Hollandsh Bank Unie, situada à rua 25 de Mayo, número 501.
A conta tem como código o nome Monte Tiberino e está registrada com o número 5020050.
Segundo o "Dicionário Aurélio", tiberino é aquilo que pertence ou está relacionado com o rio Tibre, que banha Roma.
Essa conta ainda está em operação, conforme comprova depósito de US$ 50 feito pela Folha na quinta-feira passada.
Funcionários do banco de Montevidéu disseram que a conta de Roterdã foi aberta sob o código Marshall Compton. Ao pedir para fazer um depósito, a reportagem foi informada de que a conta já havia sido fechada.
No depoimento de Ricca, ao qual a reportagem teve acesso, o advogado argentino é questionado sobre as duas contas.
"Essa soma de dinheiro (US$ 5 milhões) foi movimentada no Banco Holandês, agência Montevidéu", declarou o advogado aos investigadores italianos.
Ricca afirmou expressamente que recebeu ordens de PC Farias para efetuar o saque do dinheiro para pagar deputados.
Em seguida, ele citou a conta de Roterdã, no mesmo banco. "A conta Marshall Compton foi fechada por mim no dia 1º de julho de 1993, por telefone."
Conexão
No depoimento, as autoridades italianas intercalaram perguntas sobre as contas de Montevidéu e Roterdã, deixando claro que buscavam uma conexão entre ambas.
Ricca foi questionado sobre "a data em que se verificou o episódio dos US$ 5 milhões (em Montevidéu), e se a soma tinha passado pela conta Marshall Compton (de Roterdã)".
Ricca respondeu: "O episódio dos US$ 5 milhões se verificou um ou dois dias antes do julgamento político de Collor de Mello. Essa soma não foi transferida para sua conta Marshall Compton".
A polícia italiana descobriu, depois, que o saque foi feito no dia 28 de setembro de 1992, um dia antes de a Câmara votar a abertura do impeachment de Collor.
A Mesa da Câmara determinou, porém, que, além de aberto, o voto dos deputados deveria ser proferido ao microfone. Isso fez com que muitos deputados que tinham a intenção de votar em favor de Collor mudassem de idéia para não desagradar a opinião pública.
Ao final, por 441 votos a favor, 38 contra, 1 abstenção e 23 ausências, a Câmara acabou autorizando a instauração do processo de impeachment, provocando o afastamento de Collor e sua substituição pelo vice, Itamar Franco.
Rogatória
O advogado argentino foi ouvido pelos italianos por meio de uma rogatória -solicitação feita pelo Judiciário de um país para que a Justiça de outro cumpra atos processuais que fogem à jurisdição do país solicitante.
Ou seja, o fato de Ricca morar em Buenos Aires faz com que a Justiça italiana não tenha o poder de convocá-lo para depor, a não ser do modo como foi feito, por meio de uma permissão especial ao Judiciário da Argentina.

Texto Anterior: O inverno do tucano
Próximo Texto: La Salvia responde a processo no Brasil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.