São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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Trajetória de d. Hélder foi típica de sua geração

DA REDAÇÃO

A trajetória de d. Hélder Câmara é comum aos prelados de sua geração: começou sua carreira como um conservador que desenvolvia intensa atividade junto aos leigos e que, pouco a pouco, aproximou-se cada vez mais da esquerda.
Essa evolução da igreja começa em Pernambuco, em 1916, quando d. Sebastião Leme assume o arcebispado de Olinda (PE). D. Sebastião defendia uma participação mais ativa dos leigos na igreja -tendência que se fortalecia no exterior com a Ação Católica.
Essa atividade teve, no início, uma orientação essencialmente conservadora: tanto os intelectuais católicos como os bispos atuavam com o objetivo de impedir a expansão do comunismo. Daí a aproximação frequente com os movimentos de extrema direita.
D. Hélder é um exemplo típico. Ordenado padre em 1931, nesse mesmo ano organiza a Juventude Operária Cristã, ligada à LCT (Legião Cearense do Trabalho), organização inspirada no salazarismo. Em 1932, torna-se dirigente da LCT, que passa a fazer parte da Ação Integralista Brasileira, organização fascista de Plínio Salgado. Em 1937, chega a ser indicado para o Conselho Supremo da AIB, mas logo deixa a organização.
Paradoxalmente, essa orientação conservadora acabou levando a igreja a adotar teses da esquerda. Um caso típico é a Cruzada de São Sebastião, organização criada em 1955 por d. Hélder para urbanizar e humanizar as favelas do Rio de Janeiro. Com o auxílio de doações, d. Hélder construiu os primeiros conjuntos habitacionais da cidade. Em função disso, recebeu muitas críticas de setores conservadores, porque os conjuntos se localizavam em áreas de alto valor imobiliário (como o Leblon).
Uma evolução semelhante ocorreu na questão agrária. Preocupados com o avanço das Ligas Camponesas e dos sindicatos rurais, os bispos concluíram que a transformação do trabalhador rural num pequeno proprietário constituía uma barreira eficaz para evitar a difusão do comunismo.
Como dizia d. Hélder, "só a ação social da igreja poderá fracassar a revolução violenta no Nordeste". Em função disso, a Igreja Católica passou a defender a reforma agrária, distinguindo "terra de produção" e "terra de especulação", e condenando os latifúndios improdutivos.
Essa "esquerdização" da igreja se agravou no regime militar. A maioria dos bispos era favorável ao movimento militar de 1964, mas mudou de posição a partir do momento em que militares começaram a torturar e matar religiosos de esquerda. Um dos assessores do próprio d. Hélder foi assassinado em maio de 1969, na mesma época em que o governo militar estimulava uma forte campanha na imprensa para estigmatizar os prelados progressistas.
A repressão política acabou "politizando" a CNBB e outras organizações da sociedade civil -como a ABI, OAB, SBPC. Todas passaram a exercer o papel dos partidos políticos, numa época em que os partidos (MDB, Arena) não podiam atuar. Com a redemocratização, essas organizações deixaram de desempenhar funções partidárias.

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