São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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Novos membros do "Clube da Angústia"

ROBERTO CAMPOS

"Mercado emergente é aquele no qual é fácil submergir e do qual é difícil emergir numa situação de emergência."
Robert Hormats
Até recentemente, os mercados emergentes asiáticos pareciam bem menos vulneráveis que os da América Latina a crises do balanço de pagamentos em função de quatro fatores:
1) maior nível de poupança interna;
2) maior dinamismo exportador;
3) taxas mais rápidas de crescimento;
4) menos tradição inflacionária.
Além de exibir pior desempenho sob vários desses aspectos, a América Latina provocava suspicácia na finança internacional pela sua propensão ao calote. Disso foram exemplos a ruptura de pagamentos do México em 1982 e a "moratória soberana" do Brasil em 1987.
Como é sabido, a finança internacional tem memória de elefante, coragem de carneiro e velocidade de coelho. Déficits em conta corrente de 8% do PIB, toleráveis na Tailândia, Malásia e Indonésia, eram tidos como explosivos na América Latina!... Um ponto favorável ao nosso continente é a consolidação de regimes democráticos, enquanto na Ásia prevalecem vários graus de autoritarismo.
Parece estar ocorrendo agora uma "democratização da vulnerabilidade". A Tailândia e as Filipinas desvalorizaram suas moedas, a Indonésia alargou suas bandas de flutuação, e o "ringitt" malaio está sob ataque. O choque cambial se espraiou pelos emergentes da Europa Oriental, como a República Tcheca e a Polônia. Bem-vindos sejam os novos frequentadores do "Clube da Angústia"!
No Brasil, a queda das Bolsas acendeu a luz amarela. Como porcentagem do PIB, tanto nossa dívida externa (25%) como nosso déficit em conta corrente (4,19%) são mais confortáveis que os dos países afetados pelo atual nervosismo financeiro (Tailândia, Filipinas, Malásia, Indonésia, República Tcheca e Polônia).
Mas estamos em posição desfavorável num índice crucial: a relação entre exportações e serviços da dívida. Sob o ponto de vista da finança internacional, os dois ajustes prioritários no Brasil seriam a promoção de exportações e a aceleração das privatizações. O Brasil não tem conseguido aumentar significativamente sua taxa de poupança interna, e sua mistura de política monetária apertada (juros altos) e política fiscal frouxa (déficit do setor público) é considerada perversa. Enclausura-nos numa armadilha de baixo crescimento.
Há, entretanto, na visão internacional, um fator redentor: nosso enorme estoque de empresas privatizáveis. As privatizações gerariam suculentos subprodutos:
a) retomada de investimentos na infra-estrutura;
b) alívio fiscal;
c) melhor financiamento do déficit, pela atração de capitais estrangeiros permanentes;
d) descentralização do poder econômico;
e) redução da taxa de corrupção.
Os detonadores da recente crise asiática variam de país para país, mas percebem-se alguns fatores comuns. Houve um "pileque creditício" em favor do setor privado. Enquanto o crédito para o setor privado no Brasil alcança apenas 25% do PIB (o governo é que é o grande devedor), na Tailândia e na Malásia chegou a 15% do PIB.
Essa expansão teve um efeito inicialmente benigno: taxas de crescimento real do PIB da ordem de 8% ao ano, contrastando com o medíocre desempenho brasileiro. Mas encerrava dois perigos só agora claramente percebidos: boa parte da festa creditícia foi financiada com endividamento externo de curto prazo e serviu para alimentar um boom de especulação imobiliária.
Ao típico descasamento entre recursos e aplicações, seguiu uma crise de inadimplência bancária. Ocorria ao mesmo tempo um outro fenômeno: o enfraquecimento do dinamismo exportador, em parte pela retração dos mercados de eletrônica e informática (ramos em que o sudeste da Ásia sobreinvestiu, gerando excesso de capacidade), em parte pela concorrência da China continental nas manufaturas leves. Com sua mão-de-obra barata, agressividade exportadora e indiferença às normas da OMC, a China se tornou uma presença indigesta no comércio mundial.
Os solavancos cambiais do sudeste da Ásia e de países ex-comunistas terão repercussões bem menores do que a crise mexicana de 1994. E em nada se parecem com o terremoto de 1982, que veio no bojo de uma recessão mundial, com seus quatro cavaleiros do Apocalipse -o segundo choque do petróleo, a explosão dos juros americanos, o colapso dos preços e matérias-primas e a interrupção do fluxo de capitais.
O exemplo tailandês sublinha o perigo de crises bancárias como magnificadoras do nervosismo dos mercados internacionais de capitais. Felizmente para o Brasil, sua crise bancária ocorreu em 1995/96 e foi contornada tempestivamente pelo Proer. Resta o problema dos bancos estaduais, cuja politização os tornou inviáveis, sendo urgente uma das três soluções alternativas: conversão em bancos de fomento, privatização ou liquidação.
Se conseguir acelerar as privatizações, o Brasil comprará tempo para fazer dois ajustes indispensáveis:
a) alterar seu "policy mix", reduzindo o déficit público e flexibilizando o crédito privado;
b) melhorar a composição do financiamento do déficit do balanço de pagamentos, atraindo capital de sócios em vez de credores.
Há alguns sinais encorajadores no panorama nacional. Consumou-se, com o voto do Senado, a flexibilização do monopólio de petróleo. Isso abrirá um novo setor para o ingresso de capitais. O fluxo seria muito maior (e nossos problemas de balanço de pagamentos facilmente equacionados) se a nova lei permitisse a privatização da Petrossauro. Chegaríamos rapidamente à auto-suficiência.
Lembremo-nos de que o déficit comercial do ano passado foi exatamente equivalente às importações de petróleo, que representarão metade do déficit estimado para o ano corrente.
Outro sinal encorajador é a decisão de FHC de aplicar todos os recursos hauridos da privatização no cancelamento da dívida interna. É uma decisão sábia, que corrige desafinações da orquestra ministerial, com três vantagens:
a) economia no custo de rolagem da dívida, que hoje atinge mais de 21% ao ano (15% a 16% em termos reais);
b) reativação do setor privado pela queda dos juros;
c) cancelamento de passivos paralelamente à venda de ativos, sem "desbalanço" patrimonial.
Os que queriam utilizar os recursos para obras de infra-estrutura se esquecem de que o governo não é mais o motor do crescimento, devendo comportar-se cada vez menos como empreiteiro e cada vez mais como o jardineiro que deixa as plantas crescerem. Os investimentos chamados "sociais" são certamente urgentes, porém o primeiro passo é a correção dos atuais desperdícios por desvio de verbas e ineficiência operacional.
Não há mais espaço para aumentar a carga tributária. Ela já é de 31% do PIB, bastando redistribuí-la melhor e baixar os custos de coleta. E a taxa de extração fiscal é superior à carga tributária, porque inclui também resíduos do imposto inflacionário e o custo oculto da ineficiência dos serviços públicos.
Mas há bastante espaço para o corte de gastos. Conviria aplicar duas "moratórias à gastança".
A primeira seria a sustação de novos investimentos em palácios burocráticos, de que são exemplos o suntuoso Superior Tribunal de Justiça, o novo edifício do Supremo Tribunal, o da Procuradoria Geral e o do Tribunal de Contas da União, todos em Brasília. O boom imobiliário alcança também a Justiça do Trabalho, originalidade brasileira, pois no resto do mundo prevalece o sistema de mediação para os conflitos de interesse, cabendo à Justiça Comum o julgamento dos conflitos de direito.
A segunda "moratória de gastança" visaria a sustação de investimentos em setores em vias de privatização, como eletricidade e telecomunicações. No interesse de prolongar sua sobrevida, as empresas estatais continuam investindo, a custos mais altos do que os aceitáveis pelos investidores privados, e, em alguns casos, com o risco de sucateamento devido a tecnologias mais modernas.
A Telebrás, por exemplo, ao invés de se concentrar em telefonia básica e em áreas de baixa densidade, investe furiosamente na telefonia celular, que pode ser suprida por capitais privados, a preços mais baixos e com tecnologia mais flexível e atualizada.
Com a aceleração das privatizações e a aplicação dessas duas "moratórias de gastança", estaríamos mais perto de atingir o equilíbrio do setor público. Isso seria o melhor seguro contra o contágio de sustos internacionais.

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