São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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A evolução às claras

JANIO DE FREITAS

Nada era mais previsível e evitável, entre os problemas sociais e políticos dos últimos anos, do que o desfecho violento da crise em Alagoas, agora levado ao temerário extremo da confrontação armada de PM e Exército. Tão fácil era a previsão, que mesmo neste espaço, avesso ao gênero por feitio e incapacidade, há mais de ano já era registrada a necessidade de intervenção federal em Alagoas, para evitar a explosão incontrolável das tensões crescentes no Estado. A intervenção tinha, porém, um adversário disposto a qualquer consequência para impedi-la.
Pedidos formais de intervenção houve dois. Um, dirigido ao Supremo Tribunal Federal e proveniente do próprio Judiciário alagoano, cujos magistrados iniciaram em fevereiro de 96 uma greve contra o atraso dos vencimentos. Seis meses depois e pelo mesmo motivo, além da desobediência do então governador Divaldo Suruagy ao STF, a Procuradoria Geral da República fez o segundo pedido de intervenção federal.
Menos de duas semanas depois do segundo pedido, o governo federal fornece a Suruagy a verba necessária para pagar os vencimentos dos magistrados, livrando-se da obrigação de intervir. Mas a crise continua avançando, com os atrasos que em alguns setores do serviço público acumulam dez meses, e apenas 20 dias depois da tranquilização dos juízes há um forte alerta: policiais em greve libertam, ostensivamente, 30 presos considerados perigosos.
Daí por diante, a degringolada é geral, o governo se desliga de todas as obrigações financeiras, dispensa o funcionalismo do comparecimento obrigatório ao trabalho, o Estado está ao léu e o governador Suruagy está descoberto como autor, além do mais, do desvio de verbas novas (provenientes dos tais precatórios) em benefício de empreiteiras.
Única solução possível: intervenção federal. Em vez disso, Fernando Henrique Cardoso faz um acordo com Suruagy, para que nomeie indicados federais às secretarias de Fazenda e Planejamento em troca de continuar livre da intervenção. Junho, agora julho: "Não há previsão para o pagamento dos salários e vencimentos atrasados", avisa o governo alagoano, e a PM, que antes massacrou funcionários civis que reivindicavam pagamento, amotina-se até um grau de radicalização incontrolável.
Milhares de famílias na penúria há meses, nem há como se imaginar sua subsistência. Vários feridos a bala, no confronto desta semana. O Exército atirando contra a PM e recebendo o revide também da Polícia Civil. A temperatura brasileira, que já estava mais alta desde o episódio da PM mineira, subiu ainda mais. Não se sabe quanto, mas com certeza Alagoas irradiou muito calor pelo país afora.
Apesar disso tudo, ao evitar a intervenção preventiva foi alcançado o objetivo de não atrasar o plano da reeleição, como teria acontecido pela impossibilidade de emendar a Constituição, como diz o seu art. 60, durante intervenção federal.
Na legislação brasileira há a figura do crime de responsabilidade. Mas os responsáveis pelo que acabou acontecendo em Alagoas e ameaça o país com possíveis estilhaços -Divaldo Suruagy por seus desmandos e algum outro por omissão deliberada e interessada- não precisam preocupar-se com aquele pormenor da legislação. Tal como têm feito com os demais.

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