São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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Achômetros

MARIO VITOR SANTOS

A investigação policial do acidente com o vôo 283 da TAM aponta agora para uma tentativa de suicídio de um passageiro.
Trata-se de outra versão para explicar o caso e encerrar a malfadada busca em que mais uma vez se uniram investigadores e jornalistas e se cometeram lamentáveis deslizes éticos.
O primeiro deles, citado aqui, e que talvez tenha contribuído com os outros, foi a falta de sensibilidade da revista "Exame" na escolha da TAM como a "empresa do ano".
A premiação -anterior a esse acidente e baseada em critérios técnico-contábeis- parece ter desencadeado uma reação contrária, uma espécie de culpa.
Surda, a princípio, a reação se manifestou com muita força depois do acidente do vôo 283, em 9 de julho, quando o passageiro Fernando Caldeira de Moura teve morte horrível, arremessado para fora do Fokker-100 por um evento ainda não esclarecido.
Gerou-se um ambiente ávido por especulações e desprovido de racionalidade. Em primeiro lugar, ganhou relevância em toda a imprensa, inclusive nesta Folha, um levantamento, divulgado também antes do acidente, de uma entidade chamada Air Travelers Association (ATA), alinhando a TAM entre as piores empresas do mundo em termos de segurança aérea. Prato cheio: a empresa do ano no Brasil estaria entre as mais negligentes do mundo em segurança aérea.
O relatório da ATA, depois de fazer um estrago na imagem da TAM, veio a ser desmoralizado. A entidade, criada há pouco tempo, emprega critérios esdrúxulos que não são reconhecidos pelas instâncias internacionais acreditadas em segurança de vôo.
Depois, nas investigações sobre se teria havido explosão ou falha estrutural, atentado ou ignição não deliberada de alguma substância, deu-se credibilidade a algumas versões oriundas da polícia, como quase sempre ocorre nos grandes fracassos.
Uma delas, divulgada com destaque nas capas do "Jornal do Brasil" e de "O Globo", ia na linha de que o próprio engenheiro Fernando Caldeira de Moura seria o responsável pelo acidente, para grande constrangimento de seus familiares e amigos. Segundo aqueles jornais, ele poderia ter levado explosivos para dentro do avião, sócio que era de uma pedreira em São Sebastião, no litoral de São Paulo. Quer dizer: além de perder a pessoa querida, a família do engenheiro ainda teve que aturar acusações, aparentemente infundadas, contra ele.
Hipóteses fazem parte do trabalho técnico policial. Na intenção de bem informar, a imprensa não pode desconhecer essas especulações inerentes ao trabalho investigativo. Dar destaque a elas sem checar equivale a carimbá-las com indevido selo de autenticidade, que acaba afetando ainda mais a credibilidade da imprensa junto à sociedade.
Investigações de acidentes aéreos, em geral, são demoradas -como demonstra o mistério em torno da queda do Boeing da TWA em Nova York, que completou um ano na semana passada sem que se tenha conseguido formular uma hipótese plausível para o acidente. Em outras ocasiões, as apurações podem se delongar sem razão, como parece ser o caso do relatório final apontando as causas do acidente com outro Fokker-100 no vôo 402 da mesma TAM, em outubro do ano passado, em que morreram 99 pessoas.
Informações conclusivas em todos os dias, certezas absolutas a cada edição são coisas que ocorrem só eventualmente, quando se tratam de acidentes e casos policiais. O jornalismo sério deveria aceitar essa realidade, admitir sua ignorância, proteger inocentes, silenciar até. Deveria fazê-lo espontaneamente, antes de ser a isso obrigado pela sociedade e as leis.
Há muito que a imprensa pode fazer, com benefícios seguros para a sociedade. Uma delas é investigar as razões que levam a segurança nos aeroportos do Brasil a ser tão falha. Parece haver uma evidente omissão das autoridades responsáveis, pois mesmo nos aeroportos maiores os equipamentos disponíveis não existem ou não são utilizados.
Não é possível tolerar que um equipamento de segurança seja instalado cinicamente no aeroporto de São José dos Campos apenas no dia seguinte ao acidente com o avião da TAM. Mas direcionar o noticiário para os problemas de fundo talvez não aponte culpados, mas apenas responsáveis, talvez não identifique pessoas, mas situações, processos a corrigir. Isso pode ser algo estranho à nossa cultura, especialmente a jornalística.
(Jorna)listas
A revista norte-americana "Forbes" divulgou sua lista dos bilionários e incluiu Fidel Castro. A Folha incluiu a importante notícia em título na capa de segunda-feira passada: "Fidel está entre os mais ricos", dizia o título.
Questionada no dia seguinte pela Folha, a jornalista Carleen Hawn, da "Forbes", declarou que a fortuna de US$ 1,4 bilhão atribuída a Fidel é só uma estimativa: "Não temos conhecimento exato do que Fidel tem ou deixa de ter". Ou seja, a lista da "Forbes" é uma ficção.
Assim, devem estar errados também os valores atribuídos a Antonio Ermírio de Moraes, Roberto Marinho, Julio Bozano e outros empresários brasileiros incluídos na lista. Aliás, a lista deve estar toda errada. Como é possível estimar quanto cada uma dessas pessoas possui? Quais são os critérios de avaliação?
Para serem feitas, listas de milionários dependem mais do "achômetro" dos jornalistas do que das posses dos relacionados. Mas elas continuam a ser produzidas todos os anos, reproduzidas pelas agências de notícias, copiadas pela mídia em geral e vendidas como verdade ao público. Muitas outras listas e "levantamentos" de dados veiculadas todas os meses não resistiriam à mínima checagem, como essa que a Folha fez com a da "Forbes". Tenho um palpite: no ano que vem, a lista dos bilionários estará de volta na "Forbes" e nas agências de notícias, com ampla publicidade e credibilidade.
Em algum momento, a mídia terá que rever seus métodos e enfrentar as evidentes fraquezas que a cercam.
Críticos
Na semana que vem, a continuação do exame dos critérios usados pelos críticos de artes e espetáculos da Folha, iniciado na semana passada.

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